Wednesday, June 30, 2010
O oito e o oitenta
Wednesday, June 23, 2010
Choose Life
Tuesday, June 22, 2010
Entre um Rio e outro, prefiro nenhum
What a difference
Friday, June 18, 2010
Lisboa, ou a beleza escondida
Hoje de manhã ao sair de casa deparei-me com uma cena habitual na minha rua — e aqui abro um parêntesis para referir o deliciosa que acho a expressão “minha rua” — quando me cruzei com o senhor da drogaria, um sexagenário calvo de ar bem disposto, que costuma aproveitar uma pausa do compasso lento da entrada e saída de clientes da sua loja para, encostado a um carro em frente ou circulando devagar pelo passeio, exercitar a voz para cantar uma qualquer música, normalmente sem letra mas com um ritmo e melodia agradáveis, ostentando o à-vontade de quem sabe ser dono de uma bela voz, sempre com o mesmo sorriso aberto e matreiro nos lábios, sem nunca escapar ao contacto dos olhos de quem passa.
Por volta da hora do almoço, passando de carro pelo Cais das Colunas no regresso de uma reunião, reparei no que pareciam ser algumas dezenas de pessoas, que me chamaram a atenção pela forma como, com uma tranquilidade que contrastava com o habitual ritmo apressado dos peões que circulam em Lisboa, se entregavam à mais pura inactividade, conversando, fotografando, percorrendo os degraus do Cais ou simplesmente contemplando o Tejo que se espraiava perante si.
Quando às primeiras horas do dia me cruzei com o lojista-cantor, cujo estabelecimento, a drogaria-retrosaria, é por si só um sinal indesmentível de que nos encontramos num bairro tradicional lisboeta, a minha primeira reacção instintiva foi a do animal urbano cosmopolita, sempre demasiado apressado para trocar olhares com desconhecidos. No instante seguinte, apercebendo-me da pura estupidez da minha reacção inicial, não pude deixar de o fitar nos olhos, devolvendo-lhe o mesmo sorriso sincero que recebi enquanto ele entoava a sua melodia com a habitual convicção e á-vontade. Apercebi-me, nesse momento, de como, mesmo seguros no conforto da nossa rua e bairro, a vida que levamos torna tão fácil escondermo-nos das emoções, ignorando os outros e o correspondente incómodo quando as despertam.
Estes dois episódios de um dia igual a tantos outros serviram para me recordar duas coisas, que acabo frequentemente por ter o privilégio de relacionar entre si. A primeira é a forma como um olhar mais demorado sobre o que nos rodeia no quotidiano facilmente revela surpresas, detalhes belos ou reveladores que apenas a rotina e o correspondente vício do olhar evita que vejamos convenientemente. É algo de que normalmente nos sucede quando viajamos, e nos apercebemos da minúcia e atenção com que registamos os detalhes que habitualmente passariam em claro.
A segunda é a forma como quando passo muito tempo sem fazer aquilo que mais gosto na vida — abandonar o conforto do meu País para percorrer novos locais onde não tenha estado, alimentando a alma com a intensidade e atenção com que consigo registar e apreciar o que me rodeia, como só fazemos ao descobrir um sítio novo — a cidade onde nasci e vivi a maior parte dos últimos trinta e oito anos se encarrega de me recordar, seja no olhar malandro de um marialva de bairro ou na paisagem arrebatadora de um mais bonitos estuários do mundo, da facilidade com que nos esquecemos que a beleza normalmente se esconde à simples distância de um olhar atento. Nessas alturas apetece-me sempre dizer 'obrigado, Lisboa'.
Wednesday, June 16, 2010
As vuvuzelas no País real
Tuesday, June 15, 2010
Afinal não somos só dez milhões
Lembro-me aliás com frequência de como a ‘Tribo do Futebol’ de Desmond Morris, que retirei ainda miúdo da extensa biblioteca do meu Pai, desmontava de forma brilhante este desporto como a maior manifestação tribal dos tempos modernos, a continuação por outros meios do confronto entre os clãs e tribos que compõem qualquer sociedade, com códigos e valores próprios como qualquer confronto, um pouco como a guerra é a continuação da diplomacia por outros meios.
Há pouco alguém me recordava do apoio dos emigrantes e luso-descendentes da África do Sul à selecção, pelo que isto vem a propósito não do jogo de hoje (com a Costa do Marfim, dentro de cerca de duas horas), que marca a nossa estreia no Campeonato do Mundo de futebol, mas da experiência que passei um dia no ‘De Kuip’, a banheira de Roterdão, onde há dez anos, mais dia menos dia, vi um Portugal-Alemanha a contar para o campeonato da Europa.
Era o último de três jogos da primeira fase, tínhamos já o primeiro lugar e a qualificação garantidos, e o seleccionador decidiu jogar com dez suplentes e manter apenas um jogador (Fernando Couto, na altura o capitão) dos onze titulares. Ganhámos por três a zero, e a Alemanha foi afastada do Europeu e, como os festejos noite dentro viriam a mostrar, ganhámos um amigo em cada um dos habitantes de Roterdão, que não perderam ainda a memória do arrasador bombardeamento, e posterior ocupação, a que os alemães os submeteram na II Guerra Mundial.
Do que me lembro, mais do que tudo o resto, foi da forma como oito mil portugueses apoiaram a equipa em uníssono, como nunca tinha visto acontecer em território nacional, cantando o hino nacional durante o jogo, a meio da segunda parte, em plenos pulmões, num transe colectivo que até os onze futebolistas da ‘Mannschaft’ afectou.
Monday, June 14, 2010
Coincidências?
Isto só mesmo em Portugal
Vou deixar de parte a incredulidade que nos possa causar como, entre dez empresas de primeira linha do mercado (só não conheço um dos nomes) não haver uma única a acertar nos papéis e certidões que é preciso anexar à proposta. Passemos directamente à parte divertida, que é a imprensa açoreana referir que "que o júri terá recomendado a adjudicação directa", certamente que para poupar tempo e salvaguardar os superiores interesses do Turismo açoreano quando se aproxima o crucial período de Verão.
Em suma, temos concorrentes que chegam para formar uma equipa de futebol, temos o primeiro concurso que me lembro de ver, em vinte anos de profissão, em que todos perdem, e no fim temos a sugestão, entendida como suficientemente normal para alguém sequer falar dela a um jornalista, de esquecer tudo isto e escolher mas é um concorrente, de preferência que tenha armadilhado o processo desde o início (se vai receber o proveito, e a correspondente fama, ao menos que a mereça). Tudo isto com dinheiro do Estado e num processo público. Para usar uma frase que detesto, porque na maioria dos casos só revela o provincianismo de quem maldiz Portugal sem conhecer muito mais, e porque prefiro tentar mudar um bocadinho o meu País a mudar-me para outro, isto só mesmo em Portugal...
A régua e esquadro
Menciono isto porque me lembrou de um episódio das memórias de Winston Churchill, dois volumes épicos que são também a melhor e mais detalhada história da II Guerra Mundial alguma vez editada. Nesse episódio, decorria ainda a Guerra, Churchill relata como entre a amena conversa de circunstância que se seguiu ao jantar, definiu com Estaline, utilizando os objectos do dia-a-dia que estavam à mão junto a um mapa convenientemente deixado sobre a mesa de trabalho, as actuais fronteiras da Polónia, arrastadas uns bons quilómetros para Ocidente, para suster o peso da Alemanha e dar ao povo polaco espaço de afirmação.
O relato detalhado e vívido da brilhante prosa de Churchill faz-nos sentir que estamos na sala enquanto, entre dois goles de brandy e um dos Cohiba de que o primeiro ministro britânico não se separava, se desenha a sorte de uns quantos milhões de pessoas. O que este episódio me lembra sempre é que, nesta era em que tudo parece ser relativo e nada do que façamos parece fazer diferença, todos os actos têm consequência, sejam os nossos pequenos e aparentemente insignficantes gestos quotidianos, sejam as conversas casuais dos donos do Mundo, de regra e esquadro na mão, à volta de um café e de um belíssimo brandy.
O meu caminho marítimo para a blogosfera
Não me abstive de ter um blog por não ter a capacidade mínima exigível para usar a palavra escrita como expressão das minhas ideias, apesar disso não ter impedido muito boa gente de passar ser 'blogger', nem deixei de assinar um blog por não ter nada para dizer, apesar desta também estar longe de ser uma preocupação corrente na blogosfera. Terá sido uma conjugação feliz, ou infeliz dependendo do ponto de vista, da minha costumeira renitência em expor-me para além do meu círculo próximo com o meu proverbial horror a modas passageiras, que me leva a evitar qualquer actividade quando sinto que todos os outros parecem estar a praticá-la.
Decidi assim criar este blog por motivos análogos aos que me levaram a ficar quieto quando o mundo falava da revolução da blogosfera, nesta nossa ânsia de 'next big thing' que leva toda a gente a concordar com o poder transformador da última mania antes mesmo de ter tempo de a compreender minimamente. Criei este blog porque hoje em dia blogar está longe de ser uma novidade ou uma afirmação de vanguardismo, e porque com o advento das redes sociais, e em particular do Facebook, as minhas opiniões há muito deixaram de ser algo que eu possa ou queira esconder de quem me conhece. Resta-me assim esperar que todos os meus (três) leitores concordem com a bondade da ideia.
Irão, um ano depois
É um conflito muitíssimo complexo numa sociedade que também ela está longe de ser simples, até porque é muito mais evoluída e cosmopolita do que a ignorância das massas ocidentais, comungada e amplificada pelo típico jornalismo televisivo de 'sound bite', poderia levar a supor. Não é preciso ser historiador para saber que os persas tinham um império que estava no seu auge quando Roma celebrava os primeiros dias da sua República, e é preciso ser de facto ignorante para os colocar no mesmo saco que os descendentes de beduínos que se espalharam do deserto da Arábia até à Península Ibérica, ou das tribos nómadas das montanhas do Afeganistão, simplesmente porque partilham o mesmo profeta.
Ignorantes à parte, aquilo a que assistimos há um ano foi um conflito entre uma faixa de população, maioritariamente jovem — metade dos iranianos tem menos de 25 anos, graças a um surto de natalidade durante a guerra com o Iraque nos anos 80 — moderna, instruída e esclarecida, e uma outra, agarrada ao poder, influência ou riqueza que o aparelho da República Islâmica lhes conferiu, um poder assente nos quase dois milhões de milicianos que o dinheiro do petróleo ajudou a alimentar, em mais um dos episódios de arregimentação dos excluídos da sociedade em que a história é pródiga.
Mais do que discutir a concepção do Estado ou o papel da religião — porque nenhum dos lados contestou, pelo menos como base de discussão, a República Islâmica — e para além de um conflito entre conservadores e reformistas, o que se passou em Teerão teve contornos próximos da luta de classes, entre o Norte e o Sul da cidade, entre a sua zona mais rica, culta e ansiosa por liberdade e a mais pobre e adepta do populismo nacionalista do actual presidente.
A verdade é que o que aconteceu em Junho do ano passado tirou à República Islâmica algo que uma vez perdido dificilmente se recupera: a legitimidade. Ao sobrepor-se ao resultado das eleições, o regime colocou em causa o delicado edifício institucional pensado por Khomeini para assegurar legitimidade popular sem que os líderes religiosos perdessem o controlo da situação. Com a fraude de há um ano, que recebeu reacções contrárias do próprio 'establishment' religioso, o actual supremo líder, Ali Khamenei, transformou o Irão numa ditadura de facto, e terá muito provavelmente iniciado o fim da República Islâmica, com consequências imprevisíveis para todos nós.
Sempre me interessei por história, e graças a Gore Vidal e ao seu romance 'Criação', uma fábula que tem como protagonista um cortesão do Rei da Pérsia e um dos livros da minha vida, sempre me interessei particularmente por este pedaço do mapa, mas a verdade é que é graças ao que sucedeu há um ano, e às incontáveis horas que passei entre a leitura das mais variadas fontes e o acompanhamento em directo dos feeds de Twitter e dos videos que conseguiam saír de Teerão, sei hoje muitíssimo mais do que sabia antes do 'Movimento Verde' ter tomado conta das ruas do Irão.
Aprendi que não deve ter sido por acaso que este povo inventou o xadrês, porque a revolução que levou o Ayatollah Khomeini ao poder não se fez num dia, mas em dois anos conduzidos num crescendo estrategicamente irrepreensível pelos contestatários ao regime do Xá. Aprendi que são preserverantes e corajosos como poucos, e provaram-no pela forma como só os pedidos dos dirigentes que os inspiraram, e nunca o medo de represálias, os impediam de saír à rua no dia seguinte a mais uma manifestação assinalada por mortos e feridos. Aprendi, em suma, a admirá-los como povo, admiração que só cresce por perceber que quem os dirige não os representa.
Em Teerão, as peças continuam com toda a certeza a movimentar-se no tabuleiro, longe do nosso olhar mas nem por isso paradas. Para a maioria de nós, ocidentais focados no sabor do dia do ciclo noticioso, a quase revolução verde de há um ano já se desvaneceu na memória. Para mim, que não deixei de seguir atentamente as notícias ou simples sinais que regularmente chegam do Irão, lembrar-me dos acontecimentos de Junho de 2009 recorda-me também que quando se tem três mil anos de história, um ano são dois dias na vida de um povo.
Sunday, June 13, 2010
United colors against Vuvuzela
Na resposta dos leitores online, para além do ocasional comentário questionando se a Vuvuzela era alguma nova droga exótica que não tinha sido ainda ilegalizada, mesmo no País do tio Sam, que chama futebol a um desporto jogado com uma bola de geometria improvável, a opinião parece ser unânime: ninguém consegue evitar irritar-se com o som da Vuvuzela, que faz os estádios de futebol (e cito um dos comentários online) "parecerem uma colmeia", dando a ideia que a berraria e cânticos habituais durante os jogos eram afinal de uma até aqui desconhecida harmonia musical.
É nestes momentos que nos lembramos que é sempre mais fácil mobilizar os seres humanos contra um inimigo comum do que a favor de uma causa, por mais meritória que esta seja. E o futebol, que criou um património cultural comum à humanidade como poucas outras actividades, acabou por nos unir, de forma quase unânime, contra a vuvuzela.