Tuesday, June 22, 2010

What a difference

Vi há pouco uma notícia sobre a reacção elogiosa de Bono Vox, o vocalista dos U2, à admissão de culpa que há uns dias o governo britânico fez relativamente aos acontecimentos do Bloody Sunday, quando num Domingo de má memória, em Janeiro de 1972, as tropas inglesas presentes na Irlanda do Norte dispararam sobre uma manifestação, matando 13 pessoas.

Pela mão do novo primeiro ministro Conservador, David Cameron, o Governo de Sua Majestade admitiu o uso desproporcionado de força sobre o que eram essencialmente civis desarmados. As declarações de Cameron surgiram no seguimento da conclusão do Relatório Saville, que deve o seu nome ao do Lord a quem as Câmaras alta e baixa do Parlamento britânico atribuíram, em 1998, era Tony Blair primeiro-ministro, a responsabilidade de dirigir o inquérito ao sucedido.

Para além de inspirar o primeiro, e ainda hoje mais conhecido, hino da maior banda de rock do Mundo, os acontecimentos do Bloody Sunday moldaram inapelavelmente a relação entre a Coroa e os católicos e protestantes do Ulster nas três décadas seguintes, dando um impulso de apoio à ala mais radical dos separatistas irlandeses, até porque a primeira explicação oficial, que até aqui não tinha sido desmentida, atribuía parte da responsabilidade do sucedido aos manifestantes, agora claramente definidos como vítimas.

Se o acordo é, como Bono refere "um dos marcos mais extraordinários da história da Irlanda", é também mais uma prova de quão distantes nos encontramos de um País de quem somos geograficamente e historicamente tão próximos.

Onde esta distância se sente mais é na forma como a informação é pública, clara e inequívoca, permitindo a Bono apontar a forma como "o relatório trouxe transparência e clareza, porque na sua essência concede a cada pessoa envolvida na catástrofe o seu próprio papel", com isso honrando a memória dos mortos e trazendo alguma paz e consolo aos vivos. Rodeado de natural sigilo durante o processo de elaboração, o relatório foi integralmente colocado online no último dia 15, quando David Cameron falou, para que todos possam verificar, ou disputar, a justiça das respectivas conclusões, e os factos que lhes serviram de base.

E é nestas coisas que, mesmo não trocando a minha nacionalidade por nenhuma outra, tenho uma inveja sem limite dos anglo-saxónicos em geral e, atendendo às inúmeras perversões do sistema político americano, dos britânicos em particular. Invejo-os por saberem que não é possível a uma sociedade progredir escamoteando os seus erros e desresponsabilizando quem os comete, e que esta responsabilização obriga, para melhor e pior, a transparência, seja na informação que os políticos dão à sociedade seja dentro da própria política.

Exemplos disso são a sessão de questões a que qualquer primeiro ministro britânico tem que se submeter todas as quartas feiras nos Comuns, que lhe exigem um nível de preparação e minúcia ao pé do qual a ida quinzenal de Sócrates na Assembleia é tão difícil quanto um exame de inglês técnico ao Domingo, ou a forma como na recente negociação da coligação entre Conservadores e Liberais Democratas a imprensa publicou (um exemplo aqui), um a um, os pontos de negociação entre os dois partidos, de forma a que o respectivo eleitorado fosse capaz de os responsabilizar pelo que fizeram ou não, pelo que cumpriram ou falharam, pelo que cederam ou deixaram de ceder.

No nosso País, cujo sistema eleitoral não favorece, ao contrário do inglês, os governos de um só partido, e onde por isso os governos de coligação são habituais e não uma raridade que não se verificava em cinco décadas, desafio alguém a apontar uma tentativa que seja dos partidos de esclarecerem aquilo que negoceiam entre si, porque a negociação existe cá como lá, ao tomarem posições concertadas ou formarem coligações.

Até aceito que existam pessoas em lugares de responsabilidade que o fazem por acharem que quanto menos soubermos mais fácil se tornará tomar medidas difíceis, e menos contestação ou aproveitamento demagógico existirá, mas em geral só um ingénuo ou um ignorante podem assumir a bondade dos motivos para a omissão sistemática dos factos que nos interessam.

O que acaba por suceder é que em Portugal nos tratam como gente pouco inteligente ou esclarecida, recebendo em troca a nossa total e natural desconfiança, enquanto no nosso mais antigo aliado, por mais defeitos que o sistema tenha, como qualquer outro tem, os políticos sabem que dizer-nos praticamente tudo é a única forma de alguma vez confiarmos neles, porque a descoberta de um mentira é uma inevitabilidade tão certa quanto a morte e os impostos, pelo que só desta forma o voto será uma decisão feita com base nas pessoas e ideias que acreditamos possam mudar a nossa vida e a sociedade para melhor, e não uma escolha entre o menor de dois males. Somos, como eles, uma democracia ocidental tolerante e civilizada. Mas, ao mesmo tempo, what a difference...

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