Wednesday, May 11, 2011

O meu bairro

Gosto muito do meu bairro. Não cresci longe daqui, e também sou desse outro bairro, mas recentemente, numa daquelas coincidências estranhas em que a vida é fértil descobri, a propósito de um comentário casual, que o café, entre os muitos que o bairro tem, que escolhi para os meus lanches de fim de semana foi o mesmo que a minha Mãe, que na altura vivia na porta ao lado, frequentou enquanto aguardava, grávida, pelo momento do meu nascimento. Dito de outra forma, sou do meu bairro praticamente desde que nasci.

Gosto do meu bairro porque tenho tudo o que pede a vida de quem aceita a sociedade de consumo, mas aqui nunca ninguém me tratou como consumidor. Quem vive no bairro e passa a porta de uma loja, restaurante ou café é um cliente, às vezes um amigo, daqueles com quem somos capazes de manter uma relação de uma vida limitando-nos aos cumprimentos de circunstância.

Gosto do meu bairro porque tem história, e até o ar que circula pelo esqueleto vazio que ocupa hoje o lugar do Cinema Europa transporta memórias, no meu caso dos velhos filmes de capa e espada, reposições a que a minha ingenuidade infantil e a desactualização nacional nos anos setenta davam o ar de novidade.

Gosto do meu bairro porque aqui é difícil caminhar sem encontrar alguém que gostemos de ver, seja o velho amigo que vive duas ruas abaixo, a vizinha bonita a quem gostamos de acenar ou alguém que conhecemos de toda a vida e só agora descobrimos ter-se mudado para a porta ao lado.

Gosto do meu bairro porque tem gente de todo o tipo, e porque sejam as pessoas ricas ou pobres, gordas ou magras, famosas ou anónimas, bonitas ou feias são, antes de mais, pessoas do bairro, e quando é necessário unirem-se são do bairro antes de serem qualquer outra coisa.

Poderia discorrer longa e detalhadamente porque gosto tanto do meu bairro, explanar as emoções que me desperta ou a razão que suporta o confortável que me sinto a viver aqui. Podia explicá-lo de variadíssimas formas mas, como muitas vezes sucede, a melhor opção é a mais simples, de me cingir ao essencial, neste caso às duas razões pelas quais gosto do meu bairro: porque é o meu e, acima de tudo, porque aquilo que lhe chamo é o que o descreve fielmente, um verdadeiro bairro.

2 comments:

  1. Ricardo FernandesMay 12, 2011 at 3:54 PM

    Tem piada que sinto exactamente as mesmas coisas que tu tão bem escreveste, ainda acrescentaria um detalhe que são os "ajuntamentos perto da esquina" - e ontem estava mesmo a proporcionar-se um desses momentos óptimos que nos levam de volta há 30 anos atrás - os amigos vão chegando, a conversa vai crescendo, sem telemóveis nem outras burocracias, simplesmente acontece e ninguém tem vontade que acabe!

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