Tuesday, March 13, 2012

No fundo, somos todos parvos...

Ajudado, é certo, por um regime de bonificações que levou a compra de casa a ser vantajosa, associado a uma lei de arrendamento que parecia feita de propósito para manter as rendas baixas para todos (incluindo os que podiam pagar preços de mercado), mesmo que tal implicasse um parque habitacional em ruinas, o português médio tinha como projecto de vida ser "proprietário" (as aspas justificam-se, como verão) da sua própria casinha, resistindo teimosamente a qualquer argumento que questionasse esta grande conquista. Eu sei-o bem, sempre defendi o arrendamento, ou pelo menos que se considerasse esta alternativa, levando sempre em troca um "mas isso não faz sentido, estás a pagar por uma coisa que não é tua" dos meus amigos, que quando fazia este raciocínio olhavam sempre para mim como se tivesse chegado na véspera de Marte.

Em trinta anos tornámo-nos no País com mais proprietários 'per capita' da Europa, ou melhor com mais propriedade, já que cada português é agora orgulhoso proprietário de uma média de duas (?!) casas "suas", estatística cuja falta de sentido nunca ocorreu a ninguém questionar nos tempos áureos em que todas as casas se iriam valorizar, mesmo que localizadas num local onde não existisse nada em redor.

Quando chegou a era da inovação financeira e do crédito fácil, que levou os Bancos a viverem num mundo (virtual) isento de riscos de crédito, o nosso lusitano médio aproveitou a benesse para pedir mais algum dinheiro para obras, que gastou naquele sofá italiano que sempre quis, ou no novo plasma maior que o do vizinho, aproveitou para mudar logo para a sua casa de sonhos antes de ter vendido a anterior, aproveitou para beneficiar de uma prestação mais baixa, pagando só os juros, e adiando o encontro com a realidade até ao limite do possível (porque mais tarde a casa ia valorizar e podia sempre ser vendida num dia de aperto), aproveitou quando quis casar e decidiu que a primeira decisão a tomar, ainda antes de perceber se conseguia dividir a casa de banho com outra pessoa, seria comprar a meias um imóvel a cheirar a novo.

Hoje, o Bloco de Esquerda, sempre atento à resposta mais demagógica possível aos problemas (reais, esses sim) das pessoas, propõe que quem não tem dinheiro devolva a casa ao Banco, e considere extinta a dívida. No fundo, propõe que quando as coisas corram mal a pessoa passe o risco da sua decisão (e no mundo real decisões como comprar uma casa envolvem obviamente riscos) para o Banco que a financiou. Porquê? Porque a culpa é dos Bancos, que contribuiram para o endividamento das famílias.

Apesar de estar nos antípodas ideológicos do BE não me move, antes pelo contrário, qualquer simpatia pela banca nacional. Apenas há uma coisa que gosto menos: demagogos irresponsáveis, que acham que alguém há-de pagar a conta que os pobrezinhos - as massas incultas à espera da sua orientação, seja neste tema seja em coisas como saír à rua para se manifestar - contraíram certamente sem sombra de culpa ou irresponsabilidade, enganados pelos lobos maus do capitalismo, encarnados na banca que concedeu empréstimos a quem os pediu.

Não gosto desta linha de raciocínio, apesar de compreender que deriva do tronco central do discurso típico  - onde a moral substituiu a política,  porque  a luta de classes é chão que já deu uvas, e a um partido moderno e urbano exige-se que disfarce o melhor possível o facto da sua matriz ideológica ser do Século XIX -  do Bloco, em que o capitalismo é o mal, como parte de um pressuposto muito caro a certa esquerda, mas que provoca o mais puro repúdio num liberal de direita como eu, ou no fundo em qualquer cidadão que se julgue consciente: que somos todos carneiros, parvos e manipuláveis, prontos a contraír dívidas, que obviamente serão culpa dos nossos credores no dia em que não as conseguirmos pagar...