Monday, February 28, 2011

While you were sleeping

Na Líbia, o último dos ditadores alucinados afirma-se disposto a destruir o próprio País para não largar o poder, depois de ter visto o embaixador líbio na ONU votar, pela primeira vez na história da organização, uma resolução que repudia a conduta do próprio País que representa.

No Irão, uma manifestação convocada para comemorar o que sucedeu há umas semanas no Cairo redundou em centenas de prisões, blackout mediático total e relatos de repressão violenta de uma oposição que vem já, na sua forma actual, de Junho de 2009, e que conta já com largas centenas de mártires, entre presos e mortos.

Nos EUA, o conflito entre o governador do Wisconsin, republicano da ala mais conservadora do partido, e os sindicatos do sector público do seu estado ameaça marcar o futuro dos EUA, transpondo para o nível estatal o forrobodó federal de privatização e saque ao Estado que foi o consulado de George W. Bush (e a opinião não é só minha, é também a de um prémio Nobel).

Em Portugal a dúvida não é se o Governo vai cair, é quando isso acontecerá, não é se podemos fazer alguma coisa para evitar a entrada do FMI, mas apenas saber a data exacta em que se consuma a passagem do "bom aluno" dos tempos da ilusão cavaquista para o rapaz que não prestava atenção nas aulas e foi remetido para o canto da sala com as orelhas de burro.

Tudo isto está  a acontecer neste momento. Todos estes exemplos são de temas que afectam, em maior ou menor medida, o nosso futuro. No entanto, se hoje consultarmos a imprensa, as redes sociais e toda as outras formas de conversação que a nossa sociedade tem, qual será o tema mais falado? Os vestidos dos Oscars.

Acho que não é coincidência que o tema de conversa seja algo que se passou enquanto a maioria do País dormia. Deve ser a força do hábito. De tanto passarmos a vida a dormir enquanto acontecem as coisas que devíamos discutir, algum dia haveríamos de acabar por fazer o inverso, e falar do que nos aconteceu enquanto dormíamos.

Monday, February 7, 2011

O que eu (não) tenho a dizer sobre o Facebook

Facebook é uma daquelas marcas que já nos habituámos a ouvir dita depois de palavras como "fenómeno", ou "explosão". É para mim no mínimo curioso que numa terra em que toda a gente opina, sobre tudo e sobre nada, não tenha havido ainda um único opinador oficial, dos que escrevem, dos que aparecem ou dos que acumulam as várias funções mediáticas, a falar sobre a rede social que toda a gente parece usar, da mesma forma clara e contundente de que parece falar sobre quase tudo.

Poderá ser porque poucos deles têm facebook, ou pouco o usam, e não querendo transparecer o seu menor à vontade com o fenómeno evitam analisá-lo, embora isto não livre alguns paladinos da presunção de omitirem uma opinião definitiva sobre o tema, de que o melhor exemplo é o artigo de opinião, que no mínimo se pode qualificar de cabotino, de Miguel Sousa Tavares no Expresso, um acumulado de lugares comuns e pensamento convencional digno de figurar no caixote do lixo de qualquer escola de jornalismo.

Face a esta lacuna evidente seria perfeitamente normal que eu mesmo a tentasse preencher. Afinal, qualquer pessoa que me conheça sabe que também tenho a irritante tendência de opinar sobre tudo e sobre nada, e apesar de não ter qualquer inclinação ou vontade de ser opinador oficial, ou auto-designada consciência das pessoas civilizadas (que pelo menos simpatizam com safaris e romances de aeroporto), já passei seguramente mais tempo no Facebook do que a maioria deles.

Não é isso, no entanto, que vou fazer. Podia justificar esta recusa com a mais pura lógica, porque o Facebook é um meio de comunicação como qualquer outro, e por isso opinar de forma reflectida e estruturada sobre o tema faz tanto sentido, e seria tão interessante, como analisar o funcionamento do serviço de correios.

Mas não é essa a razão principal da minha recusa. Escrever uma opinião reflectida e estruturada sobre o fenómeno do Facebook exige — como a forma desnecessariamente pomposa que acabei de usar para designar o tema, sem que ninguém estranhasse, indica —  tempo, esforço, e paciência, e acima de tudo que faça um esforço de atenção, ou melhor de desatenção, procurando o que normalmente não procuro e dando importância a coisas em que normalmente não reparo, até chegar a uma versão online de Voando sobre um ninho de cucos, povoado de personagens pitorescas e episódios picantes.

Não é que não conseguisse fazer a tal análise reflectida e estruturada, mas sinceramente não me apetece. No máximo, e de alguma forma quase contrariado, posso fazer uma resenha instantânea de algumas coisas que me apetece dizer aos meus amigos, com e sem aspas, sobre os seus comportamentos no Facebook, que nalguns casos exemplificam como é possível repetir até à exaustão hábitos sem sentido, sem nunca os questionar verdadeiramente.


  • Aos que acham que tudo tem significado, do comentário espontâneo e sem reflexão prévia ao 'like' que a pessoa que era secretamente a destinatária do vosso post não pôs, esqueçam. Faz tanto sentido como pensar que se aquela miúda gira nos sorriu no trânsito é porque nos escolheu para pai dos seus filhos. Há gente que simplesmente gosta das coisas, como há gente que sorri simplesmente porque é simpática, há gente que gosta e não diz, há quem se lembre de uma música lamechas enquanto está a ler Kafka, e não a cobiçar a vossa namorada. Caso não tenham reparado, existe vida fora do Facebook, e nesse capítulo mesmo quem nos adora não acompanha ou assinala tudo o que fazemos. Aliás, se acham normal que alguém acompanhe cada gesto vosso tenho três palavras para vos dizer: procurem ajuda especializada.
  • Para os demasiado ansiosos para ver o óbvio aqui vai: as pessoas não passam 24 horas por dia atentas à sua conta do facebook, a ver o que escrevemos. Às vezes não reagem porque não viram, porque não foram ao facebook ou estavam a ler um livro. E às vezes não põem 'likes' porque não gostam. Às vezes aquele amigo de há vinte anos não respondeu às vossas palavras porque estava ocupado a trabalhar, e depois já não as viu, não porque tenha ficado chateado por terem discordado dele numa guerra de comentários sobre a novela da noite ou o vosso clube de futebol. Se são daqueles que ficam tristes quando não vos respondem, tenho outras três palavras para vocês: get over it.
  • Para os que me propõem amizade sem nunca terem trocado uma palavra comigo, e depois variam entre segredar ao amigo do lado quando de facto estão à minha frente e abordar-me abertamente com ar chateado dizendo que "tu não me aceitaste" (juro), tenho uma pergunta: de que planeta são vocês?.
  • Aos que põem 'likes' aos seus próprios posts queria dizer que não vale a pena. Acreditem que toda a gente vai assumir que gostam de alguma coisa se fizeram o post, não é preciso reforçar. E se ninguém reparou ou gostou, e por isso não pôs um like, o facto de estar lá o vosso like não torna as coisas melhores. Aliás, até as torna piores
  • Aos que sentem que têm que escrever e dizer coisas, seja lá pelo que fôr, e por isso põem tudo o que fazem, minuto a minuto, na rede, tenho uma coisa simples a dizer: não quero, de todo, saber quando foram vocês à casa de banho. Acho piada ver a fotografia do peixe grelhado que um amigo mais afortunado comeu durante um almoço na praia, mas uma vez por mês chega. Se não me mandavam telegramas antigamente quando o faziam, não me ligavam para casa a avisar, nem sequer um SMS era necessário, por que carga de água tenho eu agora que saber sempre onde vocês andam? 
  • Aos que têm uma compulsão incontrolável para postar e emitir opiniões em comentários, e vão pondo o que lhes parece interessante sem se preocuparem com a ocupação selvagem do feed de todos os amigos que têm, grupo em que o autor destas linhas de resto se inclui, digo duas coisas: em primeiro lugar, por mais que os vossos amigos digam que gostam de vos ler, e por mais relevantes e válidas que sejam as coisas que põem, ou por mais assertiva que seja a vossa opinião e corrosivo o vosso humor, e por mais que isso até possa não ser mesmo só impressão vossa, assumam que há garantidamente quem já esteja completamente fartinho de ver a vossa cara no seu feed, e quem já vos tenha votado ao mesmo 'hide' que o farmville. A segunda é que no dia em que começarem a falar para o vosso "público", ou dito de outra forma no dia em que pensem que tal entidade existe, e que a vossa opinião é algo que as pessoas consideram para tomar decisões relevantes nas suas vidas, e precisam de ler as vossas ideias para serem felizes, esse é o dia em que passaram a viver no Facebook, ou no mínimo na imaginação do Miguel Sousa Tavares.
  • Aos que põem mensagens indirectas para alguém, habitualmente um ex namorado ou namorada com quem se está em plena fúria, que variam entre o ininteligível e o explícito, só tenho uma pergunta a fazer: têm a certeza que querem ter esta conversa à frente de quinhentas pessoas?
  • Aos que fazem do facebook um confessionário queria sugerir que fossem a  uma igreja, qualquer uma serve se é para desabafar, recomendo a Católica para confessar. Vantagem: tal como no Facebook, nada é inconfessável, mas ao menos é garantido que há menos de quinhentas pessoas a ouvir os vossos desabafos. Aos que respondem a esses mesmos desabafos comentando e debatendo o acontecimento, com a sapiência e conhecimento de causa de um Gabriel Alves em dia de relato da selecção nacional de futebol, faço outra pergunta: já repararam que não estão sozinhos na sala?
  • Aos que acham o Facebook perigoso, porque potencia comportamentos questionáveis ou libidinosos, ou a mistura de ambas as coisas, quero contar uma história: quando surgiu o telefone, o grande debate na sociedade americana era como esta revolução nas comunicações punha em causa a instituição familiar, ao fazer perigar a honra das senhoras, que agora eram potencial alvo de assédio por personagens mal intencionados, que podiam aproveitar o facto destas, pobrezinhas, estarem vulneráveis a atender telefonemas de estranhos com uma liberdade que não usariam, por exemplo, a abrir uma porta de suas casas na ausência dos maridos. Se a história vos parece ridícula, pensem nisto: daqui a umas décadas é assim que a vossa opinião de hoje parecerá. O Facebook não é perigoso, tal como o telefone não era, nem a rádio. A coisa mais perigosa do mundo é o ser humano, e o cérebro que o comanda, o resto são meras ferramentas. Ninguém se torna mau ao entrar numa rede social, no máximo passa a ter mais oportunidades de o ser, e nenhuma pessoa adulta se transforma miraculosamente num adolescente desorientado e faz coisas que não queira mesmo fazer.
  • Aos que passam a vida a pôr clips de música do Youtube, normalmente dentro do mesmo género: fazer isso de vez em quando tem piada,  fazer disso noventa e oito por cento da vossa participação, oito músicas de cada vez com mensagens pessoais e dedicatórias a acompanhar, só me dá saudades do tempo em que tinha que ligar o gira-discos para ouvir boa música.
  • Finalmente, e acabando na primeira das grandes manias associadas do facebook, aos que jogam ou jogaram farmville só quero fazer uma pergunta: dominaram o vício, caíram na realidade e largaram a quinta, ou entraram na clandestinidade e deixaram de pedir telhas e ovelhas para não serem instantânea e implacavelmente gozados pelos amigos?