Saturday, October 23, 2010

Patriotas de esquerda

Nasci dois anos antes do 25 de Abril, por isso no período em que aprendi a falar e a explorar a língua portuguesa tive o privilégio de conviver com um vocabulário político mais alargado do que a maioria das crianças de hoje. Não era apenas a diversidade que fazia a diferença, mas também a forma como o uso de determinadas palavras nos conotava com a nossa posição no espectro político-partidário, havendo palavras que eram claramente de direita, e outras de esquerda.

O melhor exemplo disso é a palavra 'Pátria', usada até à exaustão pelo Estado Novo no seu discurso e propaganda, explorando o nacionalismo como factor de coesão e identificação, como aliás era próprio dos cânones da altura, dito de outra forma como se esperaria de uma ditadura conservadora em meados do Século XX.

Sempre me considerei um patriota, mas cresci numa altura em que a palavra não era de uso comum, e mais do que isso era usada por uns e nunca por outros, porque tinha uma conotação definida. As poucas ocasiões em que se dizia 'Pátria' em público, com entusiasmo e sem pudor, eram ironicamente essas grandes manifestações populares, frequentadas de igual forma por direita e esquerda, que são os jogos de futebol da Selecção, enquanto se cantava o hino nacional.

O mundo muda e evolui, e se no século passado o nacionalismo era o traço que definia as ditaduras de direita hoje esta associação parece ultrapassada, e é curioso ver como a China, esse bastião da construção do socialismo e modelo para tantos intelectuais de esquerda nos anos 6o, ou no nosso caso 70, usa o nacionalismo para preencher o espaço vazio deixado por um Estado com uma ideologia cada vez menos definida, que de comunismo apenas tem o nome.

No entanto, se se há coisas que não se alteram, e se mantêm constantes independentemente da força da mudança que as rodeie, uma dessas coisas é o Partido Comunista Português, que ainda há uns dias foi capaz de atacar o comité Nobel, por servir os interesses do capitalismo americano, ao dar o prémio da Paz a um dissidente chinês, julgado e preso pelo regime do país.

Do PCP espera-se que seja hoje, como em 1974, o último partido a recorrer a um léxico que não lhe seja familiar, e todos sabemos como com os comunistas a escolha de palavras nunca é acidental. Foi por isso que hoje, quando percorria as ruas do meu bairro, ao passar por uma sede do PCP aqui existente, apanhei uma das maiores surpresas da minha vida, ao ver o painel sobre a varanda, que dizia, claro e objectivo como é timbre dos comunistas, no seu inconfundível fundo vermelho e letras amarelas, foice e martelo na posição da ordem: "Com o PCP, uma política patriótica e de esquerda".

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