Wednesday, October 20, 2010

Ou vai ou taxa

Entre as múltiplos pequenos e grandes aumentos de impostos com que o Governo nos brindou, num dos mais pesados Orçamentos de Estado de que há memória, há um que parece recolher o repúdio unânime, neste caso da taxa que, incluída na factura de electricidade, temos que pagar para sustentar a RTP.

Todas as críticas apontam para a falta de sentido de custear uma empresa cronicamente deficitária, e quase toda a gente que ouvi pronunciar-se diz que se recusaria terminantemente a pagar a taxa se tivesse a possibilidade de o fazer, para além do argumento imbatível de que, claro, não faz sentido uma pessoa pagar se raramente vê a RTP. Sucede que este raciocínio é errado, e é errado porque está incompleto.

Para completar o quadro não vou falar da forma como o buraco financeiro da RTP surgiu, e mesmo descontando alguma má gestão que possa ter havido como o peso maior recai na sucessão vergonhosa de medidas governamentais desastradas, que primeiro, numa daquelas ideias populares e mal pensadas em que o cavaquismo foi fértil, extinguiram a taxa sem estudar alternativas (estudos posteriores revelaram que a RTP daria lucro com a exploração da publicidadde, já depois das privadas existirem, se a taxa se tivesse mantido), como se o problema de financiamento da televisão pública se resolvesse por si mesmo, depois levaram a RTP a vender a sua rede emissora à PT por um valor inferior ao que passou a pagar por dois anos de utilização, e finalmente persistiram no incumprimento constante, no tempo e nos montantes, do pagamento das indemnizações definidas pelo próprio Estado, o que obrigou a empresa a recorrer sistematicamente à banca para se manter em funcionamento (são situações destas que nos ajudam a perceber porque os lucros dos bancos portugueses parecem ser à prova de crise) que naturalmente não fizeram mais do que agravar o problema.

O raciocíno está incompleto porque aquilo que pagamos não é só a RTP-1, e se olharmos para o resto vemos que existe espaço para programação relevante que não tem audiência de massas, como é o caso da RTP-2, e existem canais internacionais que prestam um serviço valioso na defesa da língua e cultura portuguesas no mundo, porque não é preciso ser diplomata ou empresário para perceber que poder discutir a jornada anterior da Superliga antes do início de uma conversa séria num país africano tem o seu valor, ou o importante que é os filhos dos nossos quatro milhões de emigrantes saberem mais do País onde têm as raízes do que histórias antigas que ouvem da boca dos pais.

Está incompleto porque não devíamos simplesmente discutir se queremos ou não pagar tudo o que a actual televisão pública implica ou acabar com ela, porque a verdadeira opção a tomar nunca será essa, mas antes o que pode ser importante manter, e por isso merece ser pago, e o que não, e por isso deve desaparecer.

Se estudarmos o assunto podemos concluir que nem fará sentido manter um primeiro canal como o actual, concorrendo directamente com os privados numa situação dúbia em que a única diferença é a duração dos intervalos, resultando numa estação que deveria prestar serviço público mas está efectivamente tão refém dos seus resultados de audiência quanto os seus concorrentes privados, porque depende o valor dos blocos publicitários, e estes dependem directamente dos resultados, para atenuar o crónico défice financeiro.

Podemos também concluir que mais vale acabar com alguns canais, que não temos dinheiro para pagar mais que os que prestem efectivamente serviço público, e que o Estado apenas deve gastar dinheiro se a televisão servir para elevar o nível cultural da audiência ou para promover a língua e cultura portuguesas.

Podemos concluir que o contribuinte não tem que pagar nada, ou que tem que pagar tudo o que agora paga, mas essa não é a verdadeira questão.

A verdadeira questão é que temos que analisar o assunto como um todo complexo e que merece uma análise aprofundada, e não como um sound bite em que a conversa predominante é que ninguém devia pagar taxa porque de facto ninguém vê muito a RTP. Temos acima de tudo que evitar o mais fácil, que é parar o debate na frase consensual que alguém diz e toda a gente subscreve e repete sem pensar demasiado no assunto nem admitir discussão, seja o assunto televisão ou as despesas de saúde do País.

A verdadeira questão é que nestes tempos em que tudo é discutível, particularmente os investimentos, gastos e decisões que envolvem os nossos impostos e o nosso futuro, e mais do que isso em que tudo é contestável, é de todo desaconselhável vermos as questões a preto e branco, como escolhas entre positivo e negativo, porque há muitas coisas que precisamos de pôr a funcionar de uma forma diferente, e não que simplesmente desapareçam por não merecerem a nossa simpatia, e se passarmos a vida a decidir só entre certo e o errado, com base apenas no que sabemos ou achamos, sem considerar que haja coisas que nos escapam, muita coisa ficará pelo caminho.

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