Vi ontem na SIC uma reportagem que me incomodou, e não apenas por ser mais uma demonstração de como eram acertadas as palavras de Einstein sobre o carácter infinito da estupidez humana, mas também pelo que diz sobre quem consome as noticias, ou pelo menos sobre a forma como a redacção de um canal de sinal aberto nos é capaz de ver.
Sob o ilustrativo título "Turismo de Guera", a reportagem do correspondente da estação em Israel abordava a forma como europeus, americanos e japoneses com tempo e rendimento disponíveis visitam a linha da frente do conflito israelo-palestiniano, usando os seus euros, dólares e ienes para o que poderíamos supor ser um aparente misto de turismo aventura e preocupação legítima quanto à situação que se vive naquela parte do mundo.
Basta uma imagem, o plano claramente assassino de um grupo de turistas ocidentais sorrindo confortavelmente refastelados, em amena cavaqueira, à sombra de uma árvore, assistindo ao encontro dos manifestantes, aqui promovidos a atracção turística, com o gás lacrimogéneo do exército israelita, para desfazer qualquer ilusão sobre o espírito da reportagem e entender que esta asssenta em reduzir com toda a naturalidade o conflito mais determinante dos nossos dias a uma atracção de circo, com a adrenalina adicional de não haver grades entre o público e os leões, mesmo que o briefing antes da manifestação deixe claro aos nossos amantes de turismo-aventura que se não estiverem junto a um palestiniano que se dedique ao arremesso de pedras aos israelitas não correm o risco de serem baleados.
Mais do que a enorme leviandade como se faz desaparecer a fronteira entre o sério e o divertido, entre a raíz da relação tensa do Islão com o mundo cristão e mais uma excentricidade permitida pelo tempo e dinheiro que temos a mais, o que me impressionou foi a forma como a redacção da SIC promove e deixa passar este tipo de abordagem, o que se diz algo sobre os jornalistas envolvidos no processo, e falamos de uma classe cujos melhores elementos merecem o maior respeito da sociedade, diz muito mais sobre a forma como eles nos vêem, capazes de consumir sem pestanejar este enlatado surrealista a que quiseram chamar reportagem, sem questionar sequer a sua lógica.
(A malfadada reportagem aqui, um pouco antes do minuto 10)
No comments:
Post a Comment