Ontem, um dia após o Portugal-Espanha em futebol decorreu o que poderia facilmente passar por novo duelo ibérico, neste caso a Assembleia Geral onde os accionistas da Portugal Telecom decidiam a eventual venda da posição que esta detém na brasileira Vivo.
Qualquer pessoa que no ano transacto tenha passado sequer os olhos por um jornal sabe que o Brasil se encontra numa trajectória aparentemente imparável de crescimento, com uma pujança e consistência inéditas, e que como resultado desse percurso a Vivo se transformou, em termos simples, na chave da sobrevivência da PT a prazo como empresa independente e de capitais remotamente portugueses, representando hoje já metade das suas receitas e a uma proporção ainda maior do seu potencial de crescimento.
A assembleia geral teve como resultado que uma maioria de três quartos dos accionistas decidiu pela venda, aproveitando a generosidade da espanhola Telefonica, que subiu por três vezes o preço oferecido, um encaixe precioso nesta era em que a liquidez está longe de abundar, e o endividamento em que assenta a presença de muitos dos accionistas nacionais nas grandes empresas se torna cada vez mais difícil de suportar nesta nova era de crédito escasso.
Como resultado deste desfecho, o Estado português utilizou a sua 'golden share' e vetou a operação alegando "defesa dos interesses da Portugal Telecom" (deixando claro que o 'Telecom' era redundante), porque para além da velha história dos 'campeões nacionais', num País pobre e sem recursos como o nosso a PT tem funcionado como uma extensão dos governos quando é necessário investir na área tecnológica, essencial para o futuro de Portugal, algo que seguramente deixaria de suceder, para além de não podermos esperar dos espanhóis que façam mais do que os investimentos absolutamente essenciais para manter funcional e actualizada a nossa infra-estrutura de telecomunicações.
Sei que nem sempre, para pôr o tema de forma bondosa, o entendimento dos Governos do que é importante para o País coincide com o meu. Sei também da teia de interesses pouco claros que sempre surgem à volta de uma golden share, e da promiscuidade que se gera entre os interesses das empresas, governos e partidos que controlam o Estado a cada momento. Mas também sei que há um conjunto de coisas efectivamente benéficas para Portugal que deixarão de ser feitas a partir do momento em que as decisões sejam tomadas em Madrid, e única ligação entre a empresa e o País seja a primeira palavra do nome.
Sou um liberal, e por isso acredito fervorosamente nas virtudes da abertura do comércio e dos mercados e na necessidade de separar o mais possível o Estado da esfera privada das empresas e dos cidadãos. Tenho a absoluta convicção que as barreiras ao livre comércio são o maior contributo para prolongar a pobreza dos países em vias de desenvolvimento e defendo sem hesitar os benefícios da destruição criativa (em que as empresas e organizações menos eficazes desaparecem para dar lugar a outras melhores e mais fortes) em que assenta o capitalismo, com tudo o que tal implica.
Acredito que protestar contra a globalização é a maior e mais conveniente desonestidade intelectual a que se pode dedicar a esquerda ociosa e aburguesada da Europa e América, porque atacar apenas as más condições de trabalho dos países menos desenvolvidos, em si um fim nobre e aceite por qualquer pessoa bem formada, é ignorar que foi precisamente a globalização que criou centenas de milhões de postos de trabalho que não existiam, e sem globalização não teríamos assistido à saída do campo, e à correspondente fuga da fome e miséria, de quatrocentos milhões de camponeses chineses nos últimos trinta anos, o maior movimento migratório de toda história da humanidade.
E no entanto, apesar de tudo isto, não fiquei triste com o veto do Governo, mesmo indo contra os meus princípios ideológicos, porque sei perfeitamente que amputar a PT, algo que provavelmente esta decisão apenas adiou, terá inevitavelmente consequências nefastas para o pequeno e atrasado país onde nasci e vivo.
Não fiquei, no entanto, contente por motivos puramente patrióticos, até porque isso significaria contradizer aquilo em que sempre acreditei, algo que não me vejo a fazer em nenhum domínio da vida. O meu contentamento, ou ausência de oposição, foi antes porque pessoalmente este processo me serviu para assinalar a evolução que a idade traz, e a forma como a vida nos ensina que podemos ter as ideias políticas que quisermos que apenas uma coisa permanece sempre constante: por mais que tenhamos ideais e nos mantenhamos idealistas, na maioria dos casos o pragmatismo acaba sempre por ser a melhor das ideologias.
Grande Rato, não posso estar mais de acordo contigo. Um liberal de princípios dirá "não haverá golden shares" mas quem comprou acções da pt sabia que as havia (ninguem avisou Ricardo Salgado?). Ou dirá "não cobiçarás as golden shares do vizinho": porque carga d'água os espanhois (ou os franceses, ou os alemães,...mas sobretudo os primeiros) que têm sido pródigos a interferir nos mercados para "preservar" nas suas mãos a prorpriedade de algumas das suas maiores e mais emblemáticas empresas se arrogam e acham no direito de criticar a decisão do governo português. Independentemente de como a história acabe - e vê-se que vai acabar mal, é uma questão de tempo - o importante, acredito, é discutir princípios, do género: os mercados quando nascem são para todos. As golden shares também. Li-te com prazer e vou continuar. Forte abraço, nuno
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