Monday, May 9, 2011

Os senhores do estrangeiro

Poucas coisas comovem mais o português que a opinião que os outros têm de si, particularmente se os outros forem estrangeiros de países mais ricos,  mais altos ou até simplesmente mais loiros.

Poucas coisas geram maior unanimidade entre portugueses do que dizer mal do próprio País. Trata-se aliás um desporto praticado desde tenra idade, com vários gestos técnicos adoptados pela generalidade da população — de que o melhor exemplo é a frase "isto só em Portugal" — embora seja, numa estranha contradição com o fascínio do indígena pelos senhores lá de fora, completamente vedado a cidadãos de qualquer outro País do Mundo.

Nos dias mais recentes registou-se um par de acontecimentos que fizeram vibrar estas duas sensíveis cordas da guitarra da identidade lusitana. Primeiro foi um video de exaltação patriótica apresentado por um autarca numa conferência, que tinha como destinatário a Finlândia e onde eram enumeradas várias originalidades, proezas e feitos nacionais. Apesar das incorrecções factuais e discutível relevância de parte do video, o que se assistiu foi um colectivo e emocionado embandeirar em arco.

Se parte desta euforia assentava na ignorância, e na genuína surpresa da maioria quando descobriu que as malaguetas do caril foram levadas para o subcontinente indiano pelos navegadores portugueses, o verdadeiro apelo do video foi outro: mostrava aos senhores estrangeiros que este País não devia ser confundido com um sítio periférico, atrasado, sem dinheiro e liderado por incompetentes, mesmo que no fundo também seja tudo isso.

Hoje, um artigo de opinião de um colunista alemão do Financial Times chamou, com todas as letras, mentiroso ao Primeiro Ministro de Portugal, dizendo que o seu anúncio do pacote de ajuda foi "tragico-cómico", procurando criar a ideia de que as medidas não seriam difíceis. A reacção do indígena variou, mais uma vez, entre o apoio às declarações do senhor alemão e a expressão da vergonha pela qual Sócrates nos faz passar "lá fora", ainda por cima nas prestigiadas páginas rosadas do Financial Times.

Não gosto de José Sócrates, porque acho que a sua actuação nos últimos anos se pautou por uma irresponsabilidade praticamente criminosa, mas fiquei com uma opinião ligeiramente diferente da maioria dos meus compatriotas, até porque se é verdade que o pacote de ajuda foi apresentado pela negativa, ou seja referindo-se ao que não ia acontecer e não às medidas, não é verdade que o chefe do Governo tenha passado a ideia de que os próximos três anos iam ser fáceis.

Mais, a referência polémica vem no âmbito mais alargado de um artigo sobre o estado da Europa, que advoga o aprofundamento da união política da UE, e a inevitabilidade do fracasso de uma União Monetária sem este mesmo aprofundamento. No fundo o senhor alemão mais não fez que expressar a sua vontade de que o Norte da Europa, com o seu País à frente, apenas financie os países do Sul — e Sócrates foi apenas mais um exemplo para expressar o desprezo do Norte protestante, calvinista e trabalhador pelo Sul católico, desorganizado e indolente — se estes se comportarem de forma respeitável e respeitadora.

Ou seja, onde muitos portugueses, incluindo alguns dos meus amigos mais esclarecidos, viram uma referência ao primeiro Ministro que envergonha o País eu vi um mero insulto a um País com 868 anos de história, ainda por cima vindo de um povo cuja nobreza comia com as mãos enquanto na côrte portuguesa a norma era a baixela de prata. Possivelmente serei eu a estar errado, mas uma coisa é certa: há muitas ocasiões como esta, em que discordo da voz maioritária dos outros portugueses, mas se calhar é porque, e nisso sou muito pouco português, nunca dei crédito adicional a ninguém por falar inglês ou alemão.

2 comments:

  1. Não vou fazer considerações ou defesas sobre Socrates. Ele não merece que o defenda pois é MAIS UM que não me defendeu mas há uma coisa que tenho que te questionar: mas tu achas que este artigo escrito pelo um alemão no FT saiu do nada sem encomenda ou influência de alguém que vive neste mesmo pais que tu dizes - E BEM - é o verdadeiro ofendido do dito artigo?

    Não tenho dúvidas que foi encomendado para não dizer mesmo redigido por estas bandas. É assim que funciona a marketing político e em conseguir artigos desses que uma agência de marketing politico se valoriza.

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  2. Adriano: como sabes desse assunto eu percebo, e tenho sérias e fundadas dúvidas. Quando o Governo quer aparecer no FT paga publicidade, pelo que não há nenhuma maquinação nacional. É o contrário, o artigo nem foi sobre Sócrates, foi para defender a falta de lógica da conjugação de uma União Monetária profunda com uma união política difusa, ou seja o discurso do directório dos grandes Países (que vêem nesta situação a oportunidade de aumentar o seu peso) e o novo papel da Alemanha num mundo pós-muro de Berlim.

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