Wednesday, January 12, 2011

A China que (se) ajuda

As recentes notícias sobre a compra de dívida pública europeia pela China têm levantado alguma celeuma deste lado do Mundo, celeuma essa que não é amenizada pela decisão dos responsáveis chineses de proibirem os europeus de divulgarem os termos exactos dos negócios realizados.

É linear para qualquer pessoa que um negócio destes dificilmente se fará sem contrapartidas, e o recente apoio de 5 mil milhões de euros dado pela China aos armadores gregos para modernizarem as suas frotas, com a contrapartida das compras serem feitas em estaleiros chineses, é um exemplo do que previsivelmente se seguirá noutros países, mas também é perfeitamente admissível que o Governo chinês prefira limitar a informação que é pública, porque sabe que quaisquer que sejam os termos estes causariam inevitavelmente reacções adversas, sendo irrelevante se estas se baseariam na realidade ou em preconceitos e medos que os EUA e União Europeia têm crescente dificuldade em esconder, e que não têm deixado de ser explorados pelo establishment político, nomeadamente do lado de lá do Atlântico.

O tom geral das reacções de europeus, e até de americanos, que vêem com desconforto a entrada do gigante asiático no que é tradicionalmente o seu quintal, tem sido pautado pela desconfiança, nomeadamente sobre que contrapartidas escondidas impuseram os chineses aos países europeus com dificuldades de financiamento, e para não variar sobre quais as reais intenções dos habitualmente enigmáticos dirigentes do Reino do Meio.

Apesar da abundância de teorias de conspiração, e da polémica levantada com as contrapartidas do negócio naval grego, nada disto é novo: as potências ocidentais fizeram-no décadas a fio, enquanto engordaram para além do limite do razoável a dívida do terceiro mundo para que este lhes comprasse bens e equipamentos, normalmente rentabilizando tecnologias que estavam já desactualizadas nos países de origem, e com um descaramento muito superior aos chineses na forma como denominando este esquema de "ajudas ao desenvolvimento" ainda conseguiram a proeza de ficar bem vistos junto de uma opinião pública geralmente ignorante ou desatenta.

Se, como em tudo na vida, há efectivamente dois lados nesta moeda, neste caso prefiro o positivo. Se é certo que não há almoços grátis, e o apoio chinês não deverá ter sido dado sem contrapartidas, a razão de fundo é sintomática de como o nosso mundo está a mudar, e como a globalização comprova cada vez mais a ideia, ou se quisermos o ideal, de que o comércio livre, e a interdependência económica que este acarreta, são a melhor via para um mundo próspero e livre de guerra.

Neste caso a China apoia a Europa porque, ao contrário do que acontecia há umas décadas atrás com a "ajuda" (assim, com aspas e tudo) dada aos países em vias de desenvolvimento, a desgraça da economia europeia arrastaria consigo a própria China, hoje feita fábrica do mundo, que se veria privada de um dos seus principais mercados.

É assim, mais do que uma questão de altruísmo, uma necessidade de auto-preservação para este governo autoritário e pragmático que ainda se intitula comunista. Os senhores de Pequim sabem que o regime poderia não resistir aos problemas sociais que seriam causados pelo desemprego, nomeadamente entre os milhões de chineses que abandonam todos os anos o campo para trabalhar nas cidades, inevitável caso o seu explosivo crescimento actual abrandasse para valores mais normais, como certamente sucederia se a Europa entrasse em recessão prolongada.

Poucos o saberão, mas há várias vozes credíveis, entre quem acompanha a China moderna, que defendem que uma das razões de fundo para ter ocorrido a revolta que se viu em Tiananmen não foi a simples ânsia por liberdade e democracia, provocada pela uma demissão mal aceite de um dirigente estimado pela população, mas um motivo bem mais prosaico: a subida da inflação nos meses anteriores, que fez disparar o preço de muitos bens essenciais, e espalhou o descontentamento generalizado entre a população. Se há coisa que os dirigentes de Pequim aprenderam aí é que o seu futuro depende, ironicamente para um País que ainda se intitula comunista, única e exclusivamente da sua capacidade de dar emprego, comida e meios de enriquecer a um povo cada vez mais exigente.

2 comments:

  1. bem visto. concordo. a necessidade de alimentarem uma população gigantesca tem sido um dos problemas maiores da china no passado... com a evasão urbana o problema tende a se agravar..

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  2. 108: há um estudo do início da década que diz que eles têm que criar mais de 20 milhões de postos de trabalho... todos os anos, para absorver a migração.

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