Thursday, December 5, 2013

Até ao próximo



















Passei o dia todo longe do computador, mas nem por isso me esqueci que se cumpriram ontem 33 anos desde que morreram Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa, vítimas de um acidente que ainda hoje é difícil de referir usando essa palavra. Mais importante do que a forma como o Cessna caiu naquele dia, e acima de tudo mais triste do que isso, é que, mesmo descontado o exagero da mui lusitana tendência para apreciar sempre mais os nossos conterrâneos na morte do que em vida, olhando para o tempo que passou desde que somos uma democracia, é difícil não pensar que naquele dia em Camarate morreram os dois últimos políticos que poderiam ter feito deste País algo diferente do que veio a ser.

Vivendo num regime moribundo, que apenas sobrevive pela nossa atávica alergia (que muitos confundem com letargia) a grandes tremores ou confusões, liderados por políticos medíocres e homens sem fibra, tolerando uma sociedade em que os interesses de alguns se sobrepõem quase sempre ao benefício de todos, é fácil acreditar que estamos condenados a viver eternamente entre o lamento e a resignação. Quando me lembro de Sá Carneiro e Amaro da Costa recordo-me — e recordo-me mais do que quando penso noutros grandes portugueses do passado, porque sou uma das crianças por cujo futuro eles lutaram — que se não somos um País tão medíocre quanto os líderes que temos é porque de vez em quando há portugueses diferentes dos outros, que desafiam o conformismo e o medo do risco, que põem convicções à frente de interesses, que enfrentam o que tiverem que enfrentar por aquilo em que acreditam e, nem que seja por alguns momentos apenas, nos provam que somos capazes de ser muito melhores do que pensávamos, e como não estamos condenados a ser eternamente medíocres e eternamente liderados por homens que desprezamos.

Tinha oito anos quando morreram os últimos portugueses deste tipo especial, os últimos políticos para quem podíamos olhar com genuíno respeito, e hoje, que tenho quarenta e um, seria feliz se soubesse que voltaria, até ao fim da minha vida, a poder votar noutro homem assim.

Wednesday, August 7, 2013

Falhar no óbvio
















Demitiu-se hoje o Secretário de Estado que tinha supostamente tentado vender SWAPs a Sócrates, e que, de uma forma quase cómica, alegava em sua defesa que só ia para as reuniões fazer número (suponho que também fazia côro quando lhe pediam, e nalguns dias recolhia os pedidos de cafés para poupar tempo à secretária) e só fazia lobby para o Banco que lhe pagava o salário, mas não vendia nada.

É só mais um episódio desta novela que, mais do que qualquer outra coisa, revela que Passos Coelho é desprovido da mais pequena réstea de bom senso, aquela réstea que  até o mais alienado tem quando ouve os outros. Senão vejamos: nomeou Maria Luís Albuquerque para ministra das Finanças quando esta, então secretária de Estado, já estava a ser ouvida pelo Parlamento sobre o seu grau de conhecimento dos contratos de Swap, isto deixando de lado a reacção do seu parceiro de coligação.

Não era preciso ser politólogo (basta ter visto dois episódios de West Wing com o som desligado) para perceber o que se ia passar a seguir: a oposição ia aproveitar alegremente a oportunidade para saltar em cima da Ministra das Finanças, e ainda por cima uma oportunidade duplamente dourada, pelo ataque fácil ao Governo, e por estarmos na 'silly season', onde a ausência de assunto leva a que o tema Swaps se tenha tornado facilmente no prato preferido dos media, que têm tantas páginas para encher neste mês de férias quanto em qualquer outro.

É que Maria Luís Albuquerque até podia ser totalmente inocente no caso das Swap, e o seu secretário de Estado vítima de uma cabala feita com documentos manipulados, mas isso é irrelevante, porque o que resulta daqui, para a maioria das pessoas, que não sabe nem quer saber as minudências associadas a um contrato de derivados, é que há um problema, mais um, em que os erros podem ser de qualquer um dos suspeitos do costume, mas a conta no fim é sempre paga pelo contribuinte.

Ora face a isto, num momento em que a credibilidade dos políticos, que nunca foi grande junto do indígena, está no nível mais baixo de que há memória, e em que estamos sob um garrote financeiro e fiscal de administração estrangeira, qualquer pessoa com dois dedos de testa perceberia que a última atitude a tomar seria nomear uma ministra que pudesse ser assada em fogo lento em audiências no Parlamento desde o dia da posse, já para não falar da forma como o momento tornava imperiosa a escolha de alguém com curriculum e credibilidade inatacáveis.

Tudo isto é particulamente grave por uma razão simples: é que se nos restantes aspectos da governação a pouca experiência profissional e fraca noção do mundo em que vivemos podiam explicar alguns erros de Passos Coelho, aqui trata-se de táctica política pura e dura, precisamente a única coisa para que a escola (?) das 'jotas' devia ter preparado o Primeiro Ministro. Ora se na parte que é suposto dominar Pedro Passos Coelho comete erros deste calibre, só nos resta rezar para que não tenha a mania de dar ideias aos restantes membros do Conselho de Ministros.

Thursday, April 4, 2013

Um País de especialistas instantâneos



Portugal é, de facto, um País peculiar: em Junho de 2011, quando o País sentia o primeiro impacto da Troika, um tal de Miguel Gonçalves, um jovem empresário e empreendedor cuja presença no programa televisivo 'Prós e Contras' se destacou pela positiva (o que, convenhamos, não é difícil, para qualquer ser com neurónios funcionais, por contraste com a apresentadora da coisa), deixando para a história a expressão "bater punho", foi subitamente alcandorado a revelação do século, uma espécie de guru instantâneo que nos explicava o que estava mal na atitude do País, cujas palavras mereciam aplauso e sublinhado unânimes.

Como nem toda a gente é suficientemente masoquista para assistir a mais que uns minutos de Fátima Campos Ferreira a boa nova chegou ao indígena da forma mais habitual nos dias de hoje: um video no Youtube.

Há uns dias o rapaz foi apresentado (eu sei que foi por Miguel Relvas, mas isso está longe de explicar tudo) como embaixador de um programa de combate ao desemprego jovem que o Governo necessitava de relançar, e num assomo de sinceridade o ministro até disse que o tinha conhecido no mesmo sítio que o comum dos habitantes do facebook, nada mais nada menos que no Youtube.

O que aconteceu em seguida? O tal Miguel ficou debaixo de uma chuva de críticas tão ou mais intensa que o dilúvio de encómios que o deu a conhecer ao mundo, etiquetado em menos que um fósforo como um vendedor da mais pura banha da cobra, um bluff, um golpe de imagem sem substância, alguém que indo trabalhar de borla só pode ter tido garantia de favores da personagem Relvas, e que para cúmulo do ridículo tinha sido "descoberto no Youtube".

O que há de comum entre estes dois momentos? Duas coisas: a primeira é que as pessoas que emitiram opiniões abalizadas passaram mais tempo a escrever o que pensavam sobre o assunto no facebook do que propriamente a informarem-se sobre o tema, ou neste caso a pessoa, que criticavam. A segunda é que muitos dos que agora dispararam a crítica fácil foram os que em meados de 2011 tinham sido tão ou mais céleres no elogio automático (e suspeito que eles próprios não se aperceberam tratar-se da mesma personagem que tinham conhecido... no Youtube).

Em suma, em Portugal temos sempre tempo para ter opiniões firmes sobre tudo, particularmente se estas forem negativas, mas raramente tempo para estudar os assuntos e formar opiniões fundamentadas. Somos um País de especialistas instantâneos.