Em 1995, num País cansado de Cavaco Silva, António Guterres foi eleito prometendo "diálogo", e falando abundantemente da sua "paixão"pela Educação. A piscadela de olho ao tema não era inocente: para além do óbvio apelo aos pais receosos com o futuro dos seus petizes em idade escolar, era uma mensagem para o que é. de longe, o maior grupo de funcionários públicos.
Em Junho deste ano o ministério da Educação tinha. segundo a última síntese estatística do emprego público que o ministério das Finanças apresentou à troika, mais de 232 mil funcionários, que representam 38 por cento do total (605.000) de funcionários públicos existentes no País, ou metade da administração central.
Para se ter uma ideia da desproporção, para zelar pela educação do indígena o Estado português conta com perto de oito vezes mais funcionários do que para zelar pela sua saúde (31.034), e quase cinco vezes mais do que é necessário para garantir a Segurança Interna (48.724), ou seis vezes a Defesa (41.280), do País. Nos Açores e Madeira a situação não é diferente: a secretaria regional açoriana da Educação tem nos seus quadros metade dos funcionários públicos da região, enquanto a sua congénera da Madeira chega a astronómicos 65 por cento.
Não sou perito em educação, apenas um de milhões de portugueses que passaram pelo sistema de ensino público. nem consegui encontrar, numa pesquisa rápida, dados fiáveis sobre o número exacto de alunos que frequentam actualmente o sistema de ensino, mas não é preciso ser perito, ou saber fazer muitas contas, para perceber que o rácio de funcionários por aluno há-de ser assombrosamente baixo, e que muito provavelmente algo está errado.
Era isto que gostava que me explicassem: porque tem o ministério da Educação tanta gente, ainda por cima para prestar um serviço que está longe de ser reconhecido como excelente? Como é possívelΩ ser tão grande que um corte de apenas 5 por cento nos seus efectivos representasse mais funcionários que todo o sector empresarial do Estado? Não sei como ficarão os resultados da próxima série, depois do corte na contratação de professores para o novo ano lectivo, mas uma coisa é certa: se vamos começar a ter que fazer contas para perceber o Estado que conseguimos pagar, o ministério da Educação é um bom sítio para se começar a praticar o uso da calculadora.
Friday, September 21, 2012
Tuesday, September 18, 2012
A conversa (que interessa) é outra
Há cerca de semana e meia Pedro Passos Coelho anunciou ao País nova ronda de austeridade, destacando-se no pacote de medidas a alteração da TSU, que levou a mais uma machadada no rendimento do trabalho dos portugueses.
A reacção não se fez esperar, e desde aí o primeiro ministro foi bombardeado por críticas de todas as proveniências, desde os suspeitos do costume até notáveis do seu próprio partido, passando pelo próprio parceiro de uma coligação cujo nível de coesão passou rapidamente de sólido a colapso iminente.
Tem sido esta a narrativa dominante: ora discutimos a evidente insensibilidade do Governo, ora o putativo fundamentalismo ideológico por trás da mexida da TSU, ora ainda como a opinião pública, bem demonstrada na enorme manifestação do último Sábado, parece ter abandonado, quem sabe definitivamente, o Governo que tinha colocado no poder há pouco mais de um ano.
Se bem que pareça ser esta a conversa importante a ter neste momento, pelo menos por parte de todos os que se interessam pelo futuro do seu País, a mim parece-me que esta narrativa passa ao lado do essencial. Dito de outra forma, a conversa que interessa é outra.
Não quero dizer que o Governo não mereça ser atacado e responsabilizado - afinal, a descida da TSU pode ser uma óptima medida para apoiar as empresas exportadoras, que utilizarão a baixa de custos para se tornarem mais atraentes em mercados competitivos, mas terá efeitos a nível interno que só uma boa dose de 'wishful thinking', para não falar de puro e simples desrespeito intelectual pelos portugueses, poderá defender como benéficos para o emprego e bem estar da população.
Para além disto há a sensação de que não se cortou na despesa com a profundidade exigida, e que esses cortes não foram feitos onde de facto doíam, e onde de facto incomodavam os poderes instalados. É verdade que a solução de renegociar as PPP pode revelar-se uma melhor opção a longo prazo do que tentar alterar as regras do jogo a meio (como o Governo espanhol, envolvido em batalhas jurídicas de desfecho e duração incertos, pode atestar) para obter ganhos de curto prazo, mas a verdade é que até agora essa estratégia não deu frutos visíveis, o que nos permite desconfiar.
A questão que me interessa não é se Passos Coelho e o seu governo estão alheios ao sofrimento alheio, se são obedientes ovelhas do neoliberalismo ou sequer se a TSU foi uma boa ou má medida (até porque poucas vezes em Portugal se viu tamanho consenso quanto a tratar-se de uma iniciativa errada). A questão é que o Governo só pode ser responsabilizado de forma limitada, porque mesmo que tenha tomado a medida menos correcta, ou menos difícil, no fundo não passa de pouco mais que uma comissão executiva cujos actos de gestão têm que ser sancionados pelos crescidos, neste caso pelo triunviriato de credores.
Este é, por ordem crescente de importância, o primeiro de dois problemas que afligem Portugal: a ideia de que os nossos representantes eleitos são quem governa o País é bonita, mas não passa de uma fantasia. Até ao final do programa de assistência financeira somos um protectorado, e na semana que passou a decisão do tribunal constitucional alemão sobre a participação no Mecanismo de Estabilização do SME foi muito mais importante do que o bem estar dos portugueses, ou até os sinais de que a receita que nos foi prescrita podia não estar a funcionar.
Duas das três entidades que suportam neste momento as nossas finanças públicas (o FMI é um caso à parte, com uma agenda conhecida) estão mais preocupadas em mostrar aos eleitorados do Norte da Europa que são capazes de firmeza a colocar os Países do Sul na linha do que em quaisquer manifestações que levem centenas de milhar à rua. Podíamos dizer que isto é triste mas é meramente uma consequência lógica da forma como conduzimos o nosso País nas últimas três décadas, que nos colocou à mercê de quem é capaz de pagar a conta.
Alguns podem dizer que a Espanha tem resistido de outra forma às imposições externas, e conseguido concessões negociais, o que só demonstra a inaptidão de quem nos representa, mas essa tese ignora o facto mais básico desta crise: que ao contrário do que sucede connosco, os países credores não se podem dar ao luxo de deixar a Espanha entrar em bancarrota, porque o buraco resultante muito provavelmente sugaria toda a economia europeia.
Podemos responsabilizar o actual Governo, e é legítimo e natural que o façamos, afinal ainda há uns meses elegemos o parlamento que lhe dá suporte, mas a triste verdade é que, mais TSU menos TSU, é altamente duvidoso que se tivéssemos a alternativa imediata (o PS) a dirigir o País o desfecho tivesse sido muito diferente, por mais que a retórica o pudesse ser.
E isto leva-nos ao segundo problema, que em muito terá contribuído para que o País um dia acordasse dentro do buraco fundo onde agora estamos, que é a quase falência do regime, e a assustadora falta de qualidade dos homens e mulheres em quem devíamos confiar para dirigir o País.
Não foi preciso mais de um ano para perceber que a Passos Coelho, por bem intencionado que seja, falta a visão e a capacidade de liderança para fazer a diferença nos momentos críticos, seja nas decisões difíceis que coloquem em causa os interesses instalados, seja em algo tão ou mais importante, a capacidade de escolher as pessoas certas para os lugares certos. Como ouvi dizer por estes dias, Passso convidou as quatro ou cinco pessoas que o ajudaram a chegar à liderança do PSD para o Governo, e não o fez por amiguismo, mas pela simples razão de que não conhecia muito mais gente.
É verdade que alguns cortes da despesa demoram tempo, algo que não temos, e é admissível um cenário em que mesmo tomadas as decisões certas os seus efeitos demorarão a aparecer, mas o primeiro ministro parece ter perdido o crédito que lhe permitiria esperar para apresentar resultados e, ou muito me engano, ou o progressivo distanciamento do CDS/PP acabará por resultar em implosão do executivo, já que só uma forte coesão interna permitiria manter um governo que perdeu o apoio popular.
E é aqui que chegamos ao verdadeiro problema, que ilustra a falência do regime: as alternativas à actual situação. Se olharmos para os partidos representados na Assembleia o panorama é assustador: dois deles estão fora da realidade, com uma base ideológica criada no Século XIX, que feneceu com o século seguinte, mas que eles continuam teimosamente a venerar. Defendem a maldade intrínseca do capitalismo, a necessidade de proteccionismo como valor de base do comércio, e resumidamente que o mundo globalizado dos nossos dias revolva em sentido contrário perto de um século. Numa frase, com excepção do pontual "tema fracturante" não servem para nada senão para fazer barulho.
O caso de António José Seguro é diferente, até pela proximidade de percurso com Passos Coelho (de quem, aliás, é amigo). Passos é um produto da partidocracia, com uma leitura aparentemente deficitária do mundo em seu redor, e a teimosia dos que não conseguindo entender tudo preferem não fazer nada. Seguro, também um produto das 'Jotas', sem percurso profissional ou de vida digno de registo, com um diploma que apenas serve para poder usar o indispensável título académico a preceder o nome, revela ser ainda pior, um cata-vento, alguém capaz de passar como boa qualquer ideia que lhe tenha sido ventilada suficientemente próximo do ouvido.
Da entrevista que o líder do PS deu nesta segunda-feira, em que em teoria apresentou a alternativa às medidas do Governo - e na prática desfiou algumas generalidades, fintou pergunta sobre as PPP assinadas pelo seu antecessor, e genericamente se afirmou como amigo da competitividade e emprego - houve um exemplo em particular que me chamou a atenção: Seguro pretende substituir cirurgicamente algumas importações por "produção nacional".
Jerónimo de Sousa deve ter ficado radiante, afinal é o que o PCP sempre tem apregoado como panaceia geral para os males da nossa economia: fechá-la aos malvados estrangeiros que prejudicam a boa da produção nacional. Ora o que faz sentido na boca de um comunista não assenta minimamente bem quando o autor da ideia é o teórico primeiro suplente do cargo de primeiro ministro, que uma vez no poder terá que lidar com o mercado único europeu, cujos tratados impedem o proteccionismo, e com os acordos assinados no âmbito da OMC. Numa palavra, com uma realidade incompatível com a sua brilhante ideia, o que é altamente preocupante, porque indicia que o líder do PS não apenas se faz rodear de pessoas capazes deste tipo de pensamento, como não é capaz de ter depois um juízo crítico das ideias que ouve.
Há perto de duas semanas Adriano Moreira, um dos últimos verdadeiros senadores com que a nossa República ainda conta, mencionou um facto tão significativo com ignorado no debate que nos tem consumido: que Portugal não tem um conceito estratégico definido desde 1974, o que é inacreditável se pensarmos até onde conseguimos chegar quando a nossa pátria é a língua portuguesa, e na dimensão das nossas águas territoriais, e constatamos que uma estratégia para o País foi assunto que, tirando o fogacho ocasional, os dois partidos de poder simplesmente não se deram ao trabalho de debater seriamente.
E é este o verdadeiro problema: um sistema político que discute medidas e sound bites com retórica na máxima intensidade, mas é incapaz de apresentar um rumo ou uma estratégia.
O próprio memorando de entendimento com os nossos credores continha uma panóplia de medidas de reforma do Estado e da economia, com uma clareza de prazos e objectivos provavelmente superior à de qualquer (outro) programa de governo que tenha sido sufragado em democracia A passagem à prática desse programa não foi pura e simplesmente fiscalizada: o Bloco e o PCP naturalmente não perdem tempo a analisar uma linha do programa, porque estão simplesmente contra, e o PS foi-se dizendo genericamente a favor do crescimento e do emprego e contra a austeridade (mais uma lógica que nunca compreenderei) e distanciou-se o mais que pôde de um documento que ostentava a sua assinatura.
No fundo, ao não discutirem em termos o compromisso que assumimos em troca dos sacrifícios, confrontando o Governo com datas e números em vez de simples retórica, os partidos da oposição hipotecaram boa parte das possibilidades do programa ser uma oportunidade, tal como acabou por ser o de 1983.
E é assim que vivemos, sem competência na implementação ou no controlo da receita a que fomos condenados, sem estratégia que vá além da travessia do deserto, apesar do potencial estar perante os nossos olhos, sem pessoas em quem possamos confiar para nos levar a vencer estes desafios, com um sistema político que não funciona.
A parte estranha é que apesar de sabermos que o sistema é disfuncional, entretemo-nos a alimentar a discussão nos termos que nos são propostos pelos seus protagonistas: austeridade contra crescimento, defesa do estado social contra vontade de o extinguir, sensibilidade social contra insensibilidade pura e dura, como se toda a complexidade do mundo fosse passível de ser reduzida em dicotomias simples, que só admitem estar a favor ou contra alguma coisa.
Enquanto o fizermos, enquanto dermos força a esta narrativa, estamos implicitamente a dar-nos por satisfeitos, trocando um mal menor por outro, sabendo que não podemos esperar mais que a mediania e rezando por um lampejo de brilhantismo, assumindo que o sistema não mudará e por isso evitando pensar no que tem que mudar em nós.
Gostaria de viver num País onde os políticos discutissem ideias, mas também planos, factos, medidas, prazos, onde a mudança demográfica da sociedade e o seu impacto sobre as finanças do Estado fosse estudada, onde fôssemos capazes de discutir qual a verdadeira dimensão do Estado Social que podemos suportar (deixando de discutir, sem lógica, se queremos extingui-lo ou salvá-lo), onde pudéssemos decidir em consenso aquilo de que estamos e não estamos dispostos a abdicar perante a falta de recursos financeiros do Estado, onde as perguntas importantes fossem respondidas pelas pessoas que dirigem o nosso destino, e feitas por quem espera a sua vez de o fazer.
Sei que pouco posso fazer para que tudo isso aconteça, mas uma coisa pelo menos está ao meu alcance: não continuar a alimentar a conversa do sistema, não continuar a perder neurónios e horas a discutir o último sound bite, não continuar a aceitar os termos redutores em que a discussão se faz, que apenas interessam aos dois protagonistas principais, e apenas os protegem de um verdadeiro escrutínio. Quero falar sobre o futuro do meu País, sobre o rumo que temos que seguir, sobre a estratégia para não voltar a ser governado por uma comissão de burocratas estrangeiros. É por isso quero participar o mínimo possível na conversa que Passos, Seguro e as suas entourages nos querem impôr. Porque a conversa que interessa, a do futuro de Portugal, é outra.
A reacção não se fez esperar, e desde aí o primeiro ministro foi bombardeado por críticas de todas as proveniências, desde os suspeitos do costume até notáveis do seu próprio partido, passando pelo próprio parceiro de uma coligação cujo nível de coesão passou rapidamente de sólido a colapso iminente.
Tem sido esta a narrativa dominante: ora discutimos a evidente insensibilidade do Governo, ora o putativo fundamentalismo ideológico por trás da mexida da TSU, ora ainda como a opinião pública, bem demonstrada na enorme manifestação do último Sábado, parece ter abandonado, quem sabe definitivamente, o Governo que tinha colocado no poder há pouco mais de um ano.
Se bem que pareça ser esta a conversa importante a ter neste momento, pelo menos por parte de todos os que se interessam pelo futuro do seu País, a mim parece-me que esta narrativa passa ao lado do essencial. Dito de outra forma, a conversa que interessa é outra.
Não quero dizer que o Governo não mereça ser atacado e responsabilizado - afinal, a descida da TSU pode ser uma óptima medida para apoiar as empresas exportadoras, que utilizarão a baixa de custos para se tornarem mais atraentes em mercados competitivos, mas terá efeitos a nível interno que só uma boa dose de 'wishful thinking', para não falar de puro e simples desrespeito intelectual pelos portugueses, poderá defender como benéficos para o emprego e bem estar da população.
Para além disto há a sensação de que não se cortou na despesa com a profundidade exigida, e que esses cortes não foram feitos onde de facto doíam, e onde de facto incomodavam os poderes instalados. É verdade que a solução de renegociar as PPP pode revelar-se uma melhor opção a longo prazo do que tentar alterar as regras do jogo a meio (como o Governo espanhol, envolvido em batalhas jurídicas de desfecho e duração incertos, pode atestar) para obter ganhos de curto prazo, mas a verdade é que até agora essa estratégia não deu frutos visíveis, o que nos permite desconfiar.
A questão que me interessa não é se Passos Coelho e o seu governo estão alheios ao sofrimento alheio, se são obedientes ovelhas do neoliberalismo ou sequer se a TSU foi uma boa ou má medida (até porque poucas vezes em Portugal se viu tamanho consenso quanto a tratar-se de uma iniciativa errada). A questão é que o Governo só pode ser responsabilizado de forma limitada, porque mesmo que tenha tomado a medida menos correcta, ou menos difícil, no fundo não passa de pouco mais que uma comissão executiva cujos actos de gestão têm que ser sancionados pelos crescidos, neste caso pelo triunviriato de credores.
Este é, por ordem crescente de importância, o primeiro de dois problemas que afligem Portugal: a ideia de que os nossos representantes eleitos são quem governa o País é bonita, mas não passa de uma fantasia. Até ao final do programa de assistência financeira somos um protectorado, e na semana que passou a decisão do tribunal constitucional alemão sobre a participação no Mecanismo de Estabilização do SME foi muito mais importante do que o bem estar dos portugueses, ou até os sinais de que a receita que nos foi prescrita podia não estar a funcionar.
Duas das três entidades que suportam neste momento as nossas finanças públicas (o FMI é um caso à parte, com uma agenda conhecida) estão mais preocupadas em mostrar aos eleitorados do Norte da Europa que são capazes de firmeza a colocar os Países do Sul na linha do que em quaisquer manifestações que levem centenas de milhar à rua. Podíamos dizer que isto é triste mas é meramente uma consequência lógica da forma como conduzimos o nosso País nas últimas três décadas, que nos colocou à mercê de quem é capaz de pagar a conta.
Alguns podem dizer que a Espanha tem resistido de outra forma às imposições externas, e conseguido concessões negociais, o que só demonstra a inaptidão de quem nos representa, mas essa tese ignora o facto mais básico desta crise: que ao contrário do que sucede connosco, os países credores não se podem dar ao luxo de deixar a Espanha entrar em bancarrota, porque o buraco resultante muito provavelmente sugaria toda a economia europeia.
Podemos responsabilizar o actual Governo, e é legítimo e natural que o façamos, afinal ainda há uns meses elegemos o parlamento que lhe dá suporte, mas a triste verdade é que, mais TSU menos TSU, é altamente duvidoso que se tivéssemos a alternativa imediata (o PS) a dirigir o País o desfecho tivesse sido muito diferente, por mais que a retórica o pudesse ser.
E isto leva-nos ao segundo problema, que em muito terá contribuído para que o País um dia acordasse dentro do buraco fundo onde agora estamos, que é a quase falência do regime, e a assustadora falta de qualidade dos homens e mulheres em quem devíamos confiar para dirigir o País.
Não foi preciso mais de um ano para perceber que a Passos Coelho, por bem intencionado que seja, falta a visão e a capacidade de liderança para fazer a diferença nos momentos críticos, seja nas decisões difíceis que coloquem em causa os interesses instalados, seja em algo tão ou mais importante, a capacidade de escolher as pessoas certas para os lugares certos. Como ouvi dizer por estes dias, Passso convidou as quatro ou cinco pessoas que o ajudaram a chegar à liderança do PSD para o Governo, e não o fez por amiguismo, mas pela simples razão de que não conhecia muito mais gente.
É verdade que alguns cortes da despesa demoram tempo, algo que não temos, e é admissível um cenário em que mesmo tomadas as decisões certas os seus efeitos demorarão a aparecer, mas o primeiro ministro parece ter perdido o crédito que lhe permitiria esperar para apresentar resultados e, ou muito me engano, ou o progressivo distanciamento do CDS/PP acabará por resultar em implosão do executivo, já que só uma forte coesão interna permitiria manter um governo que perdeu o apoio popular.
E é aqui que chegamos ao verdadeiro problema, que ilustra a falência do regime: as alternativas à actual situação. Se olharmos para os partidos representados na Assembleia o panorama é assustador: dois deles estão fora da realidade, com uma base ideológica criada no Século XIX, que feneceu com o século seguinte, mas que eles continuam teimosamente a venerar. Defendem a maldade intrínseca do capitalismo, a necessidade de proteccionismo como valor de base do comércio, e resumidamente que o mundo globalizado dos nossos dias revolva em sentido contrário perto de um século. Numa frase, com excepção do pontual "tema fracturante" não servem para nada senão para fazer barulho.
O caso de António José Seguro é diferente, até pela proximidade de percurso com Passos Coelho (de quem, aliás, é amigo). Passos é um produto da partidocracia, com uma leitura aparentemente deficitária do mundo em seu redor, e a teimosia dos que não conseguindo entender tudo preferem não fazer nada. Seguro, também um produto das 'Jotas', sem percurso profissional ou de vida digno de registo, com um diploma que apenas serve para poder usar o indispensável título académico a preceder o nome, revela ser ainda pior, um cata-vento, alguém capaz de passar como boa qualquer ideia que lhe tenha sido ventilada suficientemente próximo do ouvido.
Da entrevista que o líder do PS deu nesta segunda-feira, em que em teoria apresentou a alternativa às medidas do Governo - e na prática desfiou algumas generalidades, fintou pergunta sobre as PPP assinadas pelo seu antecessor, e genericamente se afirmou como amigo da competitividade e emprego - houve um exemplo em particular que me chamou a atenção: Seguro pretende substituir cirurgicamente algumas importações por "produção nacional".
Jerónimo de Sousa deve ter ficado radiante, afinal é o que o PCP sempre tem apregoado como panaceia geral para os males da nossa economia: fechá-la aos malvados estrangeiros que prejudicam a boa da produção nacional. Ora o que faz sentido na boca de um comunista não assenta minimamente bem quando o autor da ideia é o teórico primeiro suplente do cargo de primeiro ministro, que uma vez no poder terá que lidar com o mercado único europeu, cujos tratados impedem o proteccionismo, e com os acordos assinados no âmbito da OMC. Numa palavra, com uma realidade incompatível com a sua brilhante ideia, o que é altamente preocupante, porque indicia que o líder do PS não apenas se faz rodear de pessoas capazes deste tipo de pensamento, como não é capaz de ter depois um juízo crítico das ideias que ouve.
Há perto de duas semanas Adriano Moreira, um dos últimos verdadeiros senadores com que a nossa República ainda conta, mencionou um facto tão significativo com ignorado no debate que nos tem consumido: que Portugal não tem um conceito estratégico definido desde 1974, o que é inacreditável se pensarmos até onde conseguimos chegar quando a nossa pátria é a língua portuguesa, e na dimensão das nossas águas territoriais, e constatamos que uma estratégia para o País foi assunto que, tirando o fogacho ocasional, os dois partidos de poder simplesmente não se deram ao trabalho de debater seriamente.
E é este o verdadeiro problema: um sistema político que discute medidas e sound bites com retórica na máxima intensidade, mas é incapaz de apresentar um rumo ou uma estratégia.
O próprio memorando de entendimento com os nossos credores continha uma panóplia de medidas de reforma do Estado e da economia, com uma clareza de prazos e objectivos provavelmente superior à de qualquer (outro) programa de governo que tenha sido sufragado em democracia A passagem à prática desse programa não foi pura e simplesmente fiscalizada: o Bloco e o PCP naturalmente não perdem tempo a analisar uma linha do programa, porque estão simplesmente contra, e o PS foi-se dizendo genericamente a favor do crescimento e do emprego e contra a austeridade (mais uma lógica que nunca compreenderei) e distanciou-se o mais que pôde de um documento que ostentava a sua assinatura.
No fundo, ao não discutirem em termos o compromisso que assumimos em troca dos sacrifícios, confrontando o Governo com datas e números em vez de simples retórica, os partidos da oposição hipotecaram boa parte das possibilidades do programa ser uma oportunidade, tal como acabou por ser o de 1983.
E é assim que vivemos, sem competência na implementação ou no controlo da receita a que fomos condenados, sem estratégia que vá além da travessia do deserto, apesar do potencial estar perante os nossos olhos, sem pessoas em quem possamos confiar para nos levar a vencer estes desafios, com um sistema político que não funciona.
A parte estranha é que apesar de sabermos que o sistema é disfuncional, entretemo-nos a alimentar a discussão nos termos que nos são propostos pelos seus protagonistas: austeridade contra crescimento, defesa do estado social contra vontade de o extinguir, sensibilidade social contra insensibilidade pura e dura, como se toda a complexidade do mundo fosse passível de ser reduzida em dicotomias simples, que só admitem estar a favor ou contra alguma coisa.
Enquanto o fizermos, enquanto dermos força a esta narrativa, estamos implicitamente a dar-nos por satisfeitos, trocando um mal menor por outro, sabendo que não podemos esperar mais que a mediania e rezando por um lampejo de brilhantismo, assumindo que o sistema não mudará e por isso evitando pensar no que tem que mudar em nós.
Gostaria de viver num País onde os políticos discutissem ideias, mas também planos, factos, medidas, prazos, onde a mudança demográfica da sociedade e o seu impacto sobre as finanças do Estado fosse estudada, onde fôssemos capazes de discutir qual a verdadeira dimensão do Estado Social que podemos suportar (deixando de discutir, sem lógica, se queremos extingui-lo ou salvá-lo), onde pudéssemos decidir em consenso aquilo de que estamos e não estamos dispostos a abdicar perante a falta de recursos financeiros do Estado, onde as perguntas importantes fossem respondidas pelas pessoas que dirigem o nosso destino, e feitas por quem espera a sua vez de o fazer.
Sei que pouco posso fazer para que tudo isso aconteça, mas uma coisa pelo menos está ao meu alcance: não continuar a alimentar a conversa do sistema, não continuar a perder neurónios e horas a discutir o último sound bite, não continuar a aceitar os termos redutores em que a discussão se faz, que apenas interessam aos dois protagonistas principais, e apenas os protegem de um verdadeiro escrutínio. Quero falar sobre o futuro do meu País, sobre o rumo que temos que seguir, sobre a estratégia para não voltar a ser governado por uma comissão de burocratas estrangeiros. É por isso quero participar o mínimo possível na conversa que Passos, Seguro e as suas entourages nos querem impôr. Porque a conversa que interessa, a do futuro de Portugal, é outra.
Saturday, August 4, 2012
Pobreza franciscana
A primeira abordagem séria à extinção das inúmeras empresas municipais que criaram milhares de empregos artificiais à custa dos impostos sobre o trabalho de todos nós, premiando as redes de clientelas dos principais partidos a nível local.
A primeira afronta séria, desde Leonor Beleza, ao poder magnânimo dos médicos, e uma auditoria séria ao SNS que descobriu profissionais a ganharem duas, três ou muitas (num caso detectou-se um médico que recebia anualmente cerca de 500.000 euros do Estado) vezes mais os máximos estabelecidos por Lei, algo que não pode ser seriamente dissociado da penúria do SNS, de que vemos inúmeros sintomas todos os dias, o maior dos quais será o das as remunerações indecentemente miseráveis dos enfermeiros, o elo mais fraco desta cadeira, independentemente destas resultarem de um leilão.
A primeira tentativa séria de dar uso aos milhares de hectares de terra que o Estado tem ao abandono, ironicamente impulsionada por uma ministra que está no extremo oposto do expectro político relativamente aos defensores da reforma agrária, uma autoria que horrorizaria quem nos anos 70 e 80 gritava que a terra devia ser dada a quem a trabalha.
Estes são alguns exemplos mais recentes de mudanças que o Governo tem feito, e que se obviamente não estarão isentas de críticas na forma ou na execução, têm o mérito de terem existido, mais do que o que poderá ser dito dos governos anteriores.
É a análise destas e de outras medidas, procurando descobrir o que está menos bem feito, que se esperaria de uma Oposição interventiva e informada. O que temos tido, em vez disso? A discussão dos vários significados do verbo "lixar", e a retórica tão vazia quanto irresponsavelmente populista do PS que diz estar "do lado oposto ao Governo e à Troika", e mais recentemente um conjunto de atoardas sobre a privatização da TAP que ficariam bem numa dicussão de café, mas ficam claramente mal ao líder de um partido que supostamente deveria ter aspirações a governar, e como tal a saber como funcionam as coisas, e que numa empresa tão deficitária e tão dificilmente vendável como a TAP não se consegue estabelecer à partida um modelo definido que sirva os interesses do País, apenas negociar o melhor possível com base nas ofertas que eventualmente surjam, no limite rejeitando as condições em que o processo é exequível.
Tuesday, March 13, 2012
No fundo, somos todos parvos...
Ajudado, é certo, por um regime de bonificações que levou a compra de casa a ser vantajosa, associado a uma lei de arrendamento que parecia feita de propósito para manter as rendas baixas para todos (incluindo os que podiam pagar preços de mercado), mesmo que tal implicasse um parque habitacional em ruinas, o português médio tinha como projecto de vida ser "proprietário" (as aspas justificam-se, como verão) da sua própria casinha, resistindo teimosamente a qualquer argumento que questionasse esta grande conquista. Eu sei-o bem, sempre defendi o arrendamento, ou pelo menos que se considerasse esta alternativa, levando sempre em troca um "mas isso não faz sentido, estás a pagar por uma coisa que não é tua" dos meus amigos, que quando fazia este raciocínio olhavam sempre para mim como se tivesse chegado na véspera de Marte.
Em trinta anos tornámo-nos no País com mais proprietários 'per capita' da Europa, ou melhor com mais propriedade, já que cada português é agora orgulhoso proprietário de uma média de duas (?!) casas "suas", estatística cuja falta de sentido nunca ocorreu a ninguém questionar nos tempos áureos em que todas as casas se iriam valorizar, mesmo que localizadas num local onde não existisse nada em redor.
Quando chegou a era da inovação financeira e do crédito fácil, que levou os Bancos a viverem num mundo (virtual) isento de riscos de crédito, o nosso lusitano médio aproveitou a benesse para pedir mais algum dinheiro para obras, que gastou naquele sofá italiano que sempre quis, ou no novo plasma maior que o do vizinho, aproveitou para mudar logo para a sua casa de sonhos antes de ter vendido a anterior, aproveitou para beneficiar de uma prestação mais baixa, pagando só os juros, e adiando o encontro com a realidade até ao limite do possível (porque mais tarde a casa ia valorizar e podia sempre ser vendida num dia de aperto), aproveitou quando quis casar e decidiu que a primeira decisão a tomar, ainda antes de perceber se conseguia dividir a casa de banho com outra pessoa, seria comprar a meias um imóvel a cheirar a novo.
Hoje, o Bloco de Esquerda, sempre atento à resposta mais demagógica possível aos problemas (reais, esses sim) das pessoas, propõe que quem não tem dinheiro devolva a casa ao Banco, e considere extinta a dívida. No fundo, propõe que quando as coisas corram mal a pessoa passe o risco da sua decisão (e no mundo real decisões como comprar uma casa envolvem obviamente riscos) para o Banco que a financiou. Porquê? Porque a culpa é dos Bancos, que contribuiram para o endividamento das famílias.
Apesar de estar nos antípodas ideológicos do BE não me move, antes pelo contrário, qualquer simpatia pela banca nacional. Apenas há uma coisa que gosto menos: demagogos irresponsáveis, que acham que alguém há-de pagar a conta que os pobrezinhos - as massas incultas à espera da sua orientação, seja neste tema seja em coisas como saír à rua para se manifestar - contraíram certamente sem sombra de culpa ou irresponsabilidade, enganados pelos lobos maus do capitalismo, encarnados na banca que concedeu empréstimos a quem os pediu.
Não gosto desta linha de raciocínio, apesar de compreender que deriva do tronco central do discurso típico - onde a moral substituiu a política, porque a luta de classes é chão que já deu uvas, e a um partido moderno e urbano exige-se que disfarce o melhor possível o facto da sua matriz ideológica ser do Século XIX - do Bloco, em que o capitalismo é o mal, como parte de um pressuposto muito caro a certa esquerda, mas que provoca o mais puro repúdio num liberal de direita como eu, ou no fundo em qualquer cidadão que se julgue consciente: que somos todos carneiros, parvos e manipuláveis, prontos a contraír dívidas, que obviamente serão culpa dos nossos credores no dia em que não as conseguirmos pagar...
Em trinta anos tornámo-nos no País com mais proprietários 'per capita' da Europa, ou melhor com mais propriedade, já que cada português é agora orgulhoso proprietário de uma média de duas (?!) casas "suas", estatística cuja falta de sentido nunca ocorreu a ninguém questionar nos tempos áureos em que todas as casas se iriam valorizar, mesmo que localizadas num local onde não existisse nada em redor.
Quando chegou a era da inovação financeira e do crédito fácil, que levou os Bancos a viverem num mundo (virtual) isento de riscos de crédito, o nosso lusitano médio aproveitou a benesse para pedir mais algum dinheiro para obras, que gastou naquele sofá italiano que sempre quis, ou no novo plasma maior que o do vizinho, aproveitou para mudar logo para a sua casa de sonhos antes de ter vendido a anterior, aproveitou para beneficiar de uma prestação mais baixa, pagando só os juros, e adiando o encontro com a realidade até ao limite do possível (porque mais tarde a casa ia valorizar e podia sempre ser vendida num dia de aperto), aproveitou quando quis casar e decidiu que a primeira decisão a tomar, ainda antes de perceber se conseguia dividir a casa de banho com outra pessoa, seria comprar a meias um imóvel a cheirar a novo.
Hoje, o Bloco de Esquerda, sempre atento à resposta mais demagógica possível aos problemas (reais, esses sim) das pessoas, propõe que quem não tem dinheiro devolva a casa ao Banco, e considere extinta a dívida. No fundo, propõe que quando as coisas corram mal a pessoa passe o risco da sua decisão (e no mundo real decisões como comprar uma casa envolvem obviamente riscos) para o Banco que a financiou. Porquê? Porque a culpa é dos Bancos, que contribuiram para o endividamento das famílias.
Apesar de estar nos antípodas ideológicos do BE não me move, antes pelo contrário, qualquer simpatia pela banca nacional. Apenas há uma coisa que gosto menos: demagogos irresponsáveis, que acham que alguém há-de pagar a conta que os pobrezinhos - as massas incultas à espera da sua orientação, seja neste tema seja em coisas como saír à rua para se manifestar - contraíram certamente sem sombra de culpa ou irresponsabilidade, enganados pelos lobos maus do capitalismo, encarnados na banca que concedeu empréstimos a quem os pediu.
Não gosto desta linha de raciocínio, apesar de compreender que deriva do tronco central do discurso típico - onde a moral substituiu a política, porque a luta de classes é chão que já deu uvas, e a um partido moderno e urbano exige-se que disfarce o melhor possível o facto da sua matriz ideológica ser do Século XIX - do Bloco, em que o capitalismo é o mal, como parte de um pressuposto muito caro a certa esquerda, mas que provoca o mais puro repúdio num liberal de direita como eu, ou no fundo em qualquer cidadão que se julgue consciente: que somos todos carneiros, parvos e manipuláveis, prontos a contraír dívidas, que obviamente serão culpa dos nossos credores no dia em que não as conseguirmos pagar...
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