Vi há pouco uma peça da TVI sobre as reacções dos jovens ao discurso de Cavaco Silva, particularmente nas redes sociais, referindo que "a maioria dos comentários do facebook é desfavorável ao presidente", seguindo-se a transcrição de comentários apanhados na página da Manifestação da Geração à Rasca.
Não vou sequer falar da forma como a peça encadeia e equipara o discurso de posse do Presidente da República, ou pelo menos a parte em que apela à mobilização dos jovens, com uma dúzia de comentários anónimos no tom habitualmente inflamado e trauliteiro que a rapaziada utiliza para o arremesso de postas de pescada no Facebook (um dos destaques foi "não acreditem num homem com dupla personalidade"). Esse não é, apesar de tudo, o maior problema.
O problema é como a notícia se começa por basear numa premissa errada, para não dizer falsa, e depois deriva para a pura e simples distorção dos factos. Começando pela premissa, confesso que mal a introdução começou a peça prendeu toda a minha atenção, porque queria perceber como tinha a TVI apurado a opinião "do facebook", atendendo à forma como esta rede social funciona, que leva a que a maioria das interacções entre utilizadores decorram numa esfera privada.
Depois de um momento a interrogar-me se a jornalista da TVI teria muitos amigos no facebook, e a disposição de lhes violar a privacidade, constatei que, como é óbvio, o que procuraram foi opinião reflectida nas páginas públicas, acessíveis por qualquer um. E aqui começa a distorção: em vez de percorrer várias páginas, com diferentes inclinações e tendências, a reportagem focou-se na página da "Geração à Rasca", o que equivaleria, em termos práticos, e ir para a sede do Bloco de Esquerda em Lisboa fazer perguntas sobre José Sócrates, e depois dizer que "os lisboetas estão fartos do Primeiro Ministro".
Claro que a maioria das pessoas não pensa demasiado nisto, nem questiona as premissas das reportagens que lhe são apresentadas. Alguns não conhecem sequer o suficiente dos factos para distinguir "o facebook", a tal coisa que os árabes andam a usar para se revoltar, de uma página de três jovens que decidiram organizar uma manifestação e têm tido, atendendo ao descontentamento generalizado da população e ao momento que o País vive, uma grande exposição nos media. Em suma, a maior parte vai comer o peixe estragado que a TVI lhes serviu como se fosse um belíssimo cherne grelhado no Mercado do Peixe, e isto é uma violação grave da responsabilidade que assiste aos media.
O que é preocupante em tudo isto é a forma como fica demonstrada a facilidade com que se cria opinião sem correspondência com factos, e a forma inadmissível — e nenhuma das duas explicações possíveis, incompetência ou má fé, é tolerável — como uma chefia de redacção deixa uma peça destas ser feita ou, mais provavelmente, encomenda a sua preparação com uma mensagem, ou preconceito, definida à partida, utilizando uma recolha superficial dos factos para a travestir em notícia.
Nesta altura em que todo o protesto é aparentemente legítimo, é frequente ouvirmos atacar a falta de qualidade do nosso establishment político. Este raciocínio tem uma armadilha evidente, que é impedir-nos de ver que os políticos, como aliás os media, são sempre o espelho da sociedade que temos. Se aceitarmos este tipo de jornalismo rasca como normal, e este tipo de abordagem ignorante, simplista e preconceituosa como aceitável, então não vale a pena queixarmo-nos muito: seremos mesmo um País rasca.
O que é preocupante em tudo isto é a forma como fica demonstrada a facilidade com que se cria opinião sem correspondência com factos, e a forma inadmissível — e nenhuma das duas explicações possíveis, incompetência ou má fé, é tolerável — como uma chefia de redacção deixa uma peça destas ser feita ou, mais provavelmente, encomenda a sua preparação com uma mensagem, ou preconceito, definida à partida, utilizando uma recolha superficial dos factos para a travestir em notícia.
Nesta altura em que todo o protesto é aparentemente legítimo, é frequente ouvirmos atacar a falta de qualidade do nosso establishment político. Este raciocínio tem uma armadilha evidente, que é impedir-nos de ver que os políticos, como aliás os media, são sempre o espelho da sociedade que temos. Se aceitarmos este tipo de jornalismo rasca como normal, e este tipo de abordagem ignorante, simplista e preconceituosa como aceitável, então não vale a pena queixarmo-nos muito: seremos mesmo um País rasca.
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