Depois da semana passada ter terminado com um suspiro generalizado de alívio pela aprovação do novo programa de ajuda à Grécia, que obrigará os credores a assumirem perdas de 50% nas posições de dívida pública daquele País e concederá aos gregos um empréstimo suplementar de 100 mil milhões de euros, esta semana começou com a forte queda dos mercados financeiros, após o anúncio, pelo Primeiro Ministro helénico, de um referendo para recolher aprovação popular das medidas de austeridade a que o pacote de ajuda obriga.
De Paris e Berlim, em surdina ou de forma sonora, os protestos não se fizeram esperar, e no momento em que escrevo as notícias que circulam na imprensa falam na suspensão da ajuda à Grécia, incluindo os 8.000 milhões de euros que o Estado helénico necessita com urgência para pagar salários e obrigações inadiáveis, pelo menos até ao resultado do referendo ser conhecido, e reforçam que o pacote de ajuda está inteiramente dependente da adopção na íntegra das medidas de austeridade que George Papandreou acordou na semana passada.
Não é preciso explicar a ninguém o risco do que se segue a um incumprimento descontrolado da Grécia: o alastrar da crise da dívida a países maiores, como Itália, Espanha ou mesmo França, grandes demais para serem alvo de ajuda financeira, a morte prematura do euro, provável prenúncio do desaparecimento da UE, pelo menos como a conhecemos, e uma recessão prolongada em toda a Europa, condenando os seus membros mais frágeis à pobreza durante uma geração.
O observador mais desatento diria que é inadmissível a forma como os líderes dos maiores países europeus reagem ao exercício de democracia por um dos países mais pequenos. A questão tem, no entanto, pouco a ver com países grandes e pequenos: o problema da UE, como da CEE antes dela, é com a democracia em si, e com excepções pontuais e fáceis de apontar, quase todas as medidas da chamada "construção europeia" foram tomadas em gabinetes e salas de reunião, por políticos que foram negociando e decidindo algo que afecta fortemente o quotidiano dos seus cidadãos sem alguma vez se preocuparem em envolvê-los na discussão, e muitas vezes até evitando que esta sequer ocorresse.
A União Europeia, um organismo supra-nacional que institui um espaço de comércio livre e fronteiras comuns, portanto a poucos passos de ser uma federação, entre países que passaram toda a sua História a guerrear-se entre si (o que não deixa de ser um feito tremendo) é o maior espaço democrático do mundo, mas foi construída recorrendo o mínimo possível à democracia propriamente dita. É assim natural o incómodo de Paris, e particularmente de Berlim, que sentem que Papandreou fez uma jogada suja, usando num momento crítico uma carta que nunca fez parte do baralho.
É costume dizer-se que os países não têm amigos, apenas interesses. Serão os interessses dos maiores países, e a capacidade de ter visão para os defender a longo prazo, tomando medidas difíceis no imediato, que ditarão o desfecho desta crise, e o futuro da UE, se este de facto existir. O problema de base também é a democracia, porque Merkel resiste teimosamente a ajudar os gregos sem contrapartidas draconianas porque é isso que lhe exige o seu eleitorado, mas é nestas alturas que um político eleito tem que saber discordar da vontade dos seus eleitores, ou pensar nos danos colaterais que o seu domínio de facto da UE, que é o que resulta desta crise, pode provocar.
De uma forma ou de outra, os gregos introduziram uma nova carta em jogo e, sinceramente, se o euro e a União Europeia estão destinados a falhar, ao menos que falhem pelos motivos certos, ou seja porque um povo decidiu democraticamente que não queria alinhar no jogo de sempre. Se for esse o desfecho, os historiadores do futuro não deixarão de reparar na suprema ironia do País que fez tombar o primeiro dominó da queda do maior espaço democrático da história da humanidade ter sido, precisamente, o inventor da democracia.
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